Páginas

Final original do ano (in)par


Chamem-me mentiroso...mas tinha que vos dar outra...não me interessa, não podia deixar de partilhar este video cá do burgo antes do final deste aninho quase despedido.
Em tempo de crise tiro o meu barrete de inverno à TAP apesar de não ser originalmente global, cá pelo burguinho penso que foi. Que 2010 traga momentos multiplicados destes e de outros.
( thanks Cris)

Até 31



Esta é última que dou este ano e entro em férias de inverno. O meu espírito contra, prefere o mar à neve.
Daqui não saio até à última badalada da meia noite de 31.

- Era uma tosta mista em pão alentejano, um chocolate quente e um cheesecake de limão. E já agora uma daquelas mantinhas  que estão ali nas espreguiçadeiras.

O Tejo tem novas histórias, para me contar ao ouvido.

L'ombre au tableau





Num esquisso de leve sal molhado abraço o 9. Por cima do ombro adivinho o 10 ali mesmo, por entre serpentinas,  champanhe e fogo de artifício. Uma imagem "tecida a verbos" pintada a guache em jeito naif... lá, nesse longe tão próximo, adivinho uma nova cor  na palete. Entre  carmins, azuis e amarelos perfumados com cheiro a manjerico de primavera... o pincel descobre-lhe...o  morrer das sombras.
Bem vindos ao ano par.
----------------------------------------------------------

Un paysage de terre cuite, un ciel qu'on dirait de Magritte
La grange couverte de lierre, le lézard qui dort sur la pierre
Le chat enroulé sur le seuil, l'insecte caché sous les feuilles
Le monde est dans ses couleurs pures comme dans tes boîtes de peinture

Venue d'au-delà des nuages du fond du temps et des âges
Il tombe une étrange lumière d'herbe, de vent, de poussière
Sur nos deux fauteuils inutiles, ce cerf-volant pris sur les tuiles
Les choses semblent être éternelles comme dans tes boîtes d'aquarelle

Dans le bleu ciel, entre les branches, l'avion laisse une traînée blanche
Comme un ruban, un long nuage, comme pour dire "Tout se partage"
Au matin sur le lac immense, il suffit qu'une barque avance
Et l'eau tremble à n'en plus finir comme pour dire "Tout se déchire"

Peut-être, essaies-tu quelque part de peindre l'amour de mémoire
De recomposer les couleurs d'automne mourant sur un coeur ?
Si tu veux savoir où j'en suis, les choses ont peu bougé depuis
Ce jour où tu as tourné le dos, sauf peut-être l'ombre au tableau

Dans le bleu ciel, entre les branches, l'avion laisse une traînée blanche
Comme un ruban, un long nuage comme pour dire "Tout se partage"
Comme pour tes débuts à la gouache, sur la jolie toile une tache
Toute dans le blanc diluée comme pour dire "Tout se défait"

Dans ta lumière favorite, celle qu'on dirait de Magritte
La grange couverte de lierre, le lézard qui dort sur la pierre.

Aicha

Pigalle molhava-se num tremer de outono. O odor a kebab a soltar-se provocante na esquina.
O Moulin  entorpecia desejos iluminados. A noite  apressada passeava-se de Clichy a Boulogne, a Foch...para morrer no Sena depois da última gota de Beaujolais. Um vão de Saint-Louis abrigou-lhe o último adormecer. Na porta do julgamento, escolhidos e condenados clamam ao Sol outro nascer. Maomé tinha-a escolhido.



"Sismado"


Naquele intervalo de tempo em que não estamos a fazer nada, mesmo nada...nada que possamos relembrar como momento activo de referência a alguma coisa... aconteceu.
Os espanta espíritos agitaram-se assinalando numa subtil sonoridade o romper daquele silêncio de 1:37 da madrugada. As velas continuaram empenhadamente acesas sem mexer . A terra abanou.
Senti esse estremecer como se de uma carta de baralho empilhada me tratasse. Durou dois ou três segundos que abraçados à eternidade da impotência me pareceram minutos, ou horas atadas ao infinito da lógica. Era apenas um sismo. Alguns alarmes acordaram do alerta permanente que silenciam. Dois cães uivaram nos quintais vizinhos. E eu ali de pé, a herdar réstias de invulgaridade sismica.
Fui á janela e o céu estava tranquilo,não havia vento a provocar as folhas heróicas de final de outono, as luzes da rua serenas, o semáforo tinha mudado para verde, o último autocarro passava pachorrento na avenida, uma porta a fechar-se nas escadas... tudo estava onde sempre esteve sem laivos de diferença.
Uma ilusória realidade ?...e fui dormir.

Ida de regressos


Novembro tinha chegado e com ele a vontade de acender a lareira.
Riscou num fósforo comprido o desejo que o calor lhe inundasse a sala, iluminado pelas velas de tons quentes, subtilmente perfumados.
Envolveu as mãos na chávena de chá roubando-lhe num afago o calor apetecido.
Escorregou-se pelas almofadas a moldarem-se ao corpo numa empatia que sabia de cor.
E o ar invejoso a querer roubar-lhe o momento no evaporar do chá, que gostava quente e fumegante.
Os últimos dias foram como se tinha habituado no último ano, depois do divórcio legítimo, de duas décadas avarentas de sorriso, mais sofridos que o desejo da vontade. Roubou uma pausa ao tempo. O mar chamou-a e sempre obediente aos impulsos inquestionáveis, rumou a sul para a casa da praia. Uma sobra de passado que agora estava pela primeira vez a sentir sua, naquela chávena de chá, bebido na tranquilidade de um fogo aceso e velas, muitas velas de cheiro que só ela decidiu escolher.
Passeou os olhos por todos os detalhes daquela divisão, a sua preferida, relembrando o momento em que decorou cada pormenor. Sentia-se de novo ali noutro fragmento de espaço agora só seu. Provou sorrisos de memória e reflexão com todas as cores que o expectro lhe oferecia.
O passeio pelo tempo convidou o sono a entrar, devagarinho.
Acordou algumas horas depois com um abrir de olhos preguiçoso a provocar outro sorriso, este, triunfante. Um sonho dentro do sonho. Estava mesmo onde há muito precisava de estar. Consigo própria num lugar só seu.
A chuva tinha-a acordado, na lareira umas brasas tímidas pediam ajuda e eternidade, em sintonia com algumas velas. Levantou-se num pulo decidido a apetecer-lhe o sabor e cheiro de scones. E foi para a cozinha confeccionar o desejo.
Orgulhosa de outro momento só seu, levou um tabuleiro repleto de scones, compotas, chocolate quente e frutos secos para o alpendre. Pôs um gorro na cabeça, forrou a cadeira de bambu com um cobertor macio e enrolou-se nele deliciando-se com o lanche enquanto a chuva caía cada vez mais forte, invejosa daquele momento suculento.
Iria ficar por ali desafiando o tempo, sem pressa de voltar.

Chuva nova


Depois da borrasca de ontem as gotas tímidas desta manhã trouxeram-me nova "Utopia", disponível no aleatório. Um muster clip, muito mas muito bem produzido. Bato palminhas de pé ao video, à letra, à musica, ás vozes, ao arranjo... and so on.

Modo de usar: sem moderação mas tornando o momento utópicamente único carregando no link do título do post.

Lu de Lua

Esquecidas no fundo de um disco empoeirado debaixo de papeis que "um dia destes arquivo" reencontrei este mote das três primeiras linhas que me sugeriram o prolongamento nessa altura. A data é desimportante mas a Lua faseou-se mais de 30 vezes desde então. Soprei-lhe o pó com empenho e aí está ela de novo...actual. Abraçuuuu "brilhante" de Lu(a).


“Tenho fases como a Lua
Fases de andar escondida
Fases de vir para a rua”
De me ver em ti perdida

Redonda como um olhar
Brilhante em outro ser
Segura iluminando o mar
Sensual vontade do querer

Tem o outro lado da Lua
Outro Eu meu que me agrada
Quando sinto numa fase dela
Aquele brilhar vindo do nada

De ti quero sempre ter
Tudo que me quiseres dar
Passar depressa o não te ver
E desejar-te no voltar

Vem assim minha Lua
Quando iluminada sorris
Nas noites que te trazes nua
Iluminando-me perfis

"The Pursuit" - Jamie Cullum



Jamie com novo trabalho, "The Pursuit". Jazz, com muito experimentalismo sampler, salpicado com alguns ingredientes "coverizados" como o "Just one of those things" de Cole Porter ou este " Don't Stop The Music" de Rihanna com dedinho do rei da pop.
Músicos novos, também na idade. Não desgostei do CD, ao ouvir pela primeira vez... Vou ouvir a segunda ;).

"The (Right) Fall"



Ela "caíu" para um novo estilo... a voz continua planante e suave num experimentalismo variado, quase naif, pelas sonoridades globais. Gosteiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii e volto a ouvir... Esta e agora todas as outras com o CD fisicamente presente. "Quedo-me" ouvinte fiel.

Wither








"Open up open up
Don't struggle to relate
Lure it out
Help the memory escape
Still transparantness consumes me
And I feel like giving up"

Noites Lisboetas



Combinaram por telefone encontrar-se à porta dela. Um prédio pombalino com degraus de madeira restaurada, imaculadamente encerados. O corrimão em ferro forjado envernizado a mate incolor amparava-lhe o descer quando usava os compensados que lhe acrescentavam o resto da altura para o beijo equilibrado.
Ele chegou primeiro, como acontecia sempre. Pressionou o botão retro e polido da campainha…ela desceu. Ouvia-lhe os passos lentos compassados e seguros desde o bater da porta de quinto andar. A escada ecoava-lhe o chegar de forma apetecível e desejada de os ver de novo após tão grande ausência.
Ela tinha estado fora a preparar a colecção de inverno, em Milão. Ele de novo em missão no Iraque para um canal de informação inglês.
Há três meses que não se viam a não ser por vídeoconferência.
Ela pisava o último lance de escadas que ele conhecia de cor. Abriu a porta e ficou a olhá-la naquele descer. Nos últimos degraus deixaram olhos fixos um no outro enquanto os passos dela os aproximavam. Ambos esticaram os braços lentamente encaixando-se num gesto impetuoso. Depois num beijo leve de lábios.
Para não quebrarem a vontade de se sentirem juntos de novo, combinaram no inicio da relação, não falarem de nada durante o reencontro após uma ausência prolongada.
Conheciam o gosto de ambos em todos os cenários vividos.
A “Brasserie” da Alecrim era um dos restaurantes preferidos, calmo àquela hora a que costumavam jantar fora e tão próximo de casa dela. Onde quase sempre terminavam a noite.
Ele pediu bem passado, ela um seitan e espumante rosé para acompanhar. Ele um Romeira tinto. Continuaram a olhar-se alheios a tudo, revendo-se no desejo já vivido de voltarem a tocar-se ali por debaixo da mesa coberta com uma toalha branca a transbordar pano e margem de segurança ética.
Ela num vestido novo, largo e vermelho, escorrendo leve e amarrotado quase até aos joelhos, decotado a insinuar-lhe o peito.
Começaram pela salada de odor intenso a vinagrete, polvilhada com frutos secos. Ela, num movimento denunciado, continuava a olhá-lo. Era o convite para que ele, já descalço, posicionasse o pé no meio das pernas dela. O movimento lento ao tocá-la… provocou-lhe em menos de um minuto a intensidade suficiente para que os olhos denunciassem sem pestanejar aquele primeiro orgasmo para ele. Sempre de olhos fixos e mudos de palavras. brindaram ao primeiro dessa noite, esvaziando os copos num único gesto até à derradeira gota. com a mesma vontade e empenho que tinham sentido momentos antes.
Durante o resto do jantar permaneceram calados a invadir-se com o olhar. num jogo grandiosamente dominado por ambos.
Outro ritual fazia parte daquele reencontro. O ultimo copo era bebido, como o primeiro, de uma só vez.
Saíram do restaurante, trocando as mãos na cintura. Quando ela punha sapatos mais altos ele adorava colar-se, para lhe sentir ainda melhor o andar.
Perto da casa dela e já no regresso um concerto clássico de rua juntava várias centenas de pessoas. Encontraram um encosto de parede disponível ao fundo da plateia entre duas colunas das arcadas de uma loja.
O concerto recomeçou, ela fechou o olhos e deixou-se recuar até mais perto dele que de tão perto, lhe sentia o respirar na sua nuca. Um sopro de vento frio mas suave fez aninhar-se ainda mais.
A musica invadia toda a praça em crescendo... como ela, abraçando-o até onde a mãos chegavam. Sentiu as dele responderem a essa provocação tacteante.
Os bolsos do vestido não tinham fundo propositadamente. E ele sorriu ao sentir-lhe a pele convidativa das ancas na ponta dos seus dedos. Das contracções de ventre dela a cada poro estimulado.
Uma mulher ali mesmo ao lado apercebeu-se e olhou-a com um sorriso cúmplice.Ela voltou a fechar os olhos até se perder demorada e expectante na intensidade do próximo. Recostou a nuca no ombro dele e deixou-se levar pelo contraste daqueles dedos que sabia de cor, em crescendo até à apoteose do “coroado” estimulo final , de Mussorgsky, coro e sinos em sintonia com o que lhe vinha de dentro. Durou o tempo das palmas de toda a plateia que lhe abafaram o sussurro descontrolado.
Ficaram ambos na mesma posição até todos saírem da praça...sobravam ecos de concerto naquele desconcertante reencontro há muito desejado. A noite estava a começar...

Comfortably Numb


Os lábios dançam... envolvendo em pétalas de silêncio a tonalidade alaranjada de outro ocaso de Tejo...saboreando-a, num sorriso "confortavelmente entorpecido"

reFLEXOS



As margens calam o silêncio barulhento das rochas

Os pássaros abandonam o voo

O oceano perde-se em marés

O sol mentiu... fingindo-se lua.

...e nessa quase noite... só os reflexos foram reais.

Passeio molhado

A chuva caía apressada, barulhenta, com vontade de vingança pelo bom tempo anterior. A iluminação da esquina firme e empenhada no seu papel de iluminar, mesmo quando a rua fica cheia de ninguém... ou quase.
Acordei pela violência com que a água batia na minha janela e pela fresta permeável a provocar pingos no alumínio. Fechei-a e vi-a caminhar junto à parede, indiferente ao tempo molhadamente chuvoso. Trazia o olhar no chão e os braços cruzados como a proteger-se da água que lhe invadia a roupa e todo o corpo.
Ao passar por baixo de um abrigo de prédio sentou-se no chão, encostou a cabeça à parede e abraçou os joelhos a olhar para a esquina oposta. Depois deixou cair a cabeça nos joelhos e ficou assim...
A chuva abrandou passados alguns minutos e um chá que bebi.
Voltei à janela e ouvi-a soluçar ainda na mesma posição anterior, ao mesmo tempo que batia com a ponta dos pés na calçada.
Um carro parou no semáforo. Lá dentro a música mostrava-se barulhenta e com graves a saltar por tudo o que era poro de chapa. Um dos ocupantes abriu a janela e meteu-se com ela. Ela indiferente nem se mexeu. Com insistência o ocupante chamou-a e ela olhou. Fez-lhe sinal de quem queria um cigarro. A porta abriu-se e o ocupante de boné preto, roupa sequinha, vai até perto dela com o braço esticado e na ponta dos dedos um maço de tabaco. Ela tira um cigarro e ele baixa-se para o acender.
Trocam algumas palavras e ela diz que não com a cabeça. Ele permanece perto dela e continua a falar-lhe. Ela risse, de forma audível, enquanto escorre o cabelo para o chão. O outro ocupante do carro sai também e chama o primeiro. E ambos entram no carro, que desaparece com ruído de pneus no chão molhado.
Ela encosta de novo a cabeça à parede, deita as pernas no chão e desfruta daquele cigarro até ao fim, demoradamente. No final, fazendo dos dedos fisga,lança a beata para o riacho no alcatrão. Levanta-se, espreguiça-se e abana a cabeça para a desencharcar. Olha o céu, confiante, retoma outro caminho, por vezes aos saltinhos e dedos a roçar a parede.

Caminhou à chuva, abraçou-se, chorou, fumou um cigarro cravado, a chuva conteve-se e trouxe-lhe de novo o sorriso, saltitante, rua abaixo.

17 de Setembro...de outro milénio


Entrou pelo quarto durante o toque das cinco, na sirene da fábrica.
Abriu ainda mais os olhos azuis como puxando a vontade de encontrar, no meio do caos, de roupas e adereços de uma vida de palcos, o que se tinha esquecido. Adiantou-se no ímpeto de achar a qualquer preço naquele canto da memória, o que o passado a fez recordar.
Revolveu gavetas e todos os cantos daquele aparador feito cómoda de avó, caixas de sapatos aconchegadas em pó de momentos esquecidos debaixo daquela cama barulhenta.
Subir ao mais alto que os pés podiam, naquela cadeira em que adorava perder-se em momentos sós . Mas o cimo do roupeiro tinha restos de tudo menos do que procurava.
Meia hora de busca desvairada, e encontrou-a finalmente, entre a cabeceira da cama e a parede, no meio de beatas, fotos rasgadas, preservativos ressequidos e uma caixa de goronzan, num gesto de desespero, quase a abrir a represa do descontrole, salgado a negro sombra.
Despiu-se. Apanhou o cabelo. Encheu a banheira. Acendeu uma vela vermelha de cheiro a morango. Abraçou o cinto ao braço direito. Esperou que a espuma eterna na colher abafasse aquela última tarde fria de Outubro...calando aquele último gesto, o fechar azul dos olhos, tantas vezes vivos na eterna vontade de o ser...

Caminhos...(2)


Olhou para a esquerda e direita quatro vezes. Atravessou apressada na passadeira como se o tempo lhe fosse curto na caminhada diária até ao outro lado da cidade.

O tempo aconteceu, por vezes mais apressado, de outras pachorrento e preguiçoso sem a vontade a arrancar-lhe outra folha de calendário.

E hoje voltei a vê-la. Os dias de eleições são sempre cheios de sorrisos.
A rua deixa-se quieta e introspectiva. Parece que os votantes caminham com mais leveza pela calçada...respeito cívico?...talvez nem tanto...apenas, porque sim.
Estava dentro do carro e vejo-a de mochila preta presa aos ombros e chinelas de praia, a subir aquela rua de Santos...confirmei com um olhar mais atento. Era mesmo ela.
Há meses que não a via. O seu ar despreocupado levou-a para o meio da estrada por onde caminhava, até uma buzina , a ter desviado num saltinho para o passeio.
Tive vontade de lhe perguntar porque deixou de aparecer aleatoriamente com uma frequência indisciplinada mais regular.
Já tinha saudades do sorriso que me provocava, ao vê-la quedar-se em frente aos restaurantes, ler a ementa e seguir até ao próximo como se nenhuma delas lhe agradasse. E correr assim todos os cantos gastronómicos.

Lá vai ela, com passo ligeiro, rua acima e destino secreto, até à próxima vontade em que o acaso nos voltará a cruzar de novo.

Chocolate de Outono


O roupeiro devolveu-me aquele aconchego turco quentinho com capuz preto, ainda meio tonto do seu hibernar.
Elas caíam... naquele suave cair, em despedida saudosa. E ela, imóvel sem gestos de ramos, a deixar sensualmente despir-se, para me deixar, um destes dias, o campo livre até ao fim da rua.
Ficam os aplausos quando lhe pisamos as folhas, naquele devolver ao chão o que ele lhe deu. Fico a vê-las ...cair.
O chocolate está no ponto e saborosamente bebível. Denunciado pelo odor que me chegou à janela do quarto salpicada pela primeira chuva de Outubro, que acelera o passo de quem foge à chuva com destino marcado e impaciente.
Mas qual "...outra primavera..." senhor "Alberto" (Camus)? Outono é Outono, com infinitos castanhos e folhas salpicadas de chuva a provocar o escuro das roupinhas de Inverno e sonos mais preguiçosos ao levantar.
Apetece-me chuva e cheiro de folhas caídas, com um chocolate quente.

Ruas



A noite despertou-me, baixinho, a vontade, para um passeio a pé pela parte velha . O silêncio, os odores nocturnos, a luz fraca das réplicas de lampiões antigos...
A minha cidade voltou a despir-se de sol e mostrou-se como a recordar-me que a tinha quase esquecido.
Abrandei a caminhada e deixei o tempo ultrapassar o passo. Um gato preto ficou imóvel a seguir-me, com um olhar vadio e terno. A torre da câmara já não dá horas. Uma mulher estende roupa numa corda folgada salpicando-me com o cheiro a lavado modesto. A taberna fechada há muitos anos traria agora aquele odor a esquecimento graduado, bebido em copos semilavados enquanto a sueca seria a única mostra de mulher presente, tocada por mãos calejadas e unhas encarvoadas. Mas a porta estava fechada e selada ao pó no lixo do esquecimento.
A serração e a fábrica de pedra tiveram o mesmo destino.
Apeteceu-me a calçada antiga e nunca renovada... voltei a passar por ela na única passagem entre prédios que conheço, que de tão estreita, é preciso roçar paredes para atingir o outro lado.
A ida terminou frente ao Tejo no ponto mais alto e possível desta latitude.
O vento veio, os sons da ponte também. Empenhei-me no voltar devagarinho, pelo mesmo itenerário de ida, para rever tudo uma outra vez.
Uma lâmpada indecisa agradeceu-me num sorriso a visita naquele seu piscar cambaleante de fim de vida.

Do not disturb



- 2º andar!... 2º... 2º.... segundo andar.
Ao fim de alguns segundos o elevador resolveu obedecer ao meu indicador esquerdo. Cheguei a pensar naquele compasso de espera claustrofóbico, se Otis seria além de místico, também reaccionário.
Abri a porta do hall do meu piso da residencial e mesmo ali num momento surrealista, estava uma nórdica bronzeada em formato dégradé de branco a vermelho quase bife, apenas com uma tanga preta como adereço e perto da histeria, a vingar com a mão, as orelinhas, sem motivo aparente, na porta do meu quarto.
Ao ouvir-me entrar contraiu-se num gesto defensivo subtil e recuante, ao olhar-me, enquanto me dirigia para a porta agredida.
Percebi o motivo… E apontei com o indicador direito ( não fosse o seu apelido também Otis e provocar demora na reflexão) para outra porta ao fundo do corredor de onde provinha o testemunho sugestivo de “sex loud and clear”.
Pediu-me desculpa em jeito de vénia desnudada, retirando-se em recuo, sem se importar, ou por esquecimento, de ir repetir a vingança na porta certa.
Fiquei a saber que o gesto de apelidar a loucura com qualquer um dos indicadores disponíveis em círculos junto á cabecinha loira era internacional… tendo desaparecido no escuro do quarto vizinho.
O meu sono foi contrariado também pela agitação do quarto suspeito que se ouvia na porta da rua.
Algo me motivou algum orgulho na minha portugalidade.
Os direitos de autor da minha vizinha do quarto ao fundo eram Made in Portugal.
E os auges sucediam-se sempre no feminino…pelo menos os que a partir de um numero sem conta, largamente superior a sete, me começou a despertar a curiosidade matemática.
Sem contar múltiplos e a cadência estonteante testemunhada ao segundo em jeito de relato pela interveniente, com uma precisão estonteante…a noite prometia. Mas apenas por lá. Os vizinhos que se lixem com um F despreconceituado.
Farto de contar os orgasmorelatos da vizinha, e porque comecei a duvidar que o quarto fosse ocupado por mais alguém a menos que o segundo ocupante fosse mudo, decidi olhar para o relógio. Cinquenta minutos desde a minha chegada a uma cadência quase suíça.
A minha última teoria foi mesmo a de pensar que era um novíssimo modelo importado de alarme em teste anti-roubo. Mas rapidamente abandonei a ideia.
Em jeito de final de fogo de artificio o último sinal apoteótico sugeria o regresso à normalidade decibélica, mais agora deci que bélica, confirmada logo a seguir pelo ruído mais contido e discreto da água corrente no chuveirinho.
Já há uns anos que não vinha ao Algarve, provavelmente a nórdica nunca cá tinha estado…
Seria o propósito de me bater à porta ter a ver com o incomodo pelo barulho do quarto do fundo???
Assim como assim…preferi a última e prometedora letra do abcedário.

Barbearias



Lembro-me daquela barbearia de luzes amareladamente tingidas pelas lacas e elixires de cheiros sublimes e só para homens de barba rija- dizia-me de passagem quem me levava pela mão. Ficava fascinado ao passar por lá nas tardes de inverno quando as luzes de mercúrio dos candeeiros de rua, já acesas, invejavam aquela tonalidade quente. Lá dentro liam-se jornais que “moteavam” a conversa a cada dia, com um rádio de pilhas com as vozes monocórdicas e as músicas da Emissora Nacional naquele baixinho que só se ouvia nos momentos de silêncio por entre o abrir e fechar das tesouras e do bombear de spray lacado.
Na parede espelhada, sempre um calendário de pin-up em topless com uma flor ou um laçinho a dar côr e candura àquele monumento anual que os meses iam também amarelando.
Por vezes, um engraxador com perna de pau, que me deliciava o olhar pela agilidade do escovar em dueto de mãos e tirando sons chicoteados do pano, ao polir cada sapato.
Mas o meu barbeiro nunca foi ali, naquele manancial desejado de rua direita. Pela mão levavam-me a outro ali perto. Sentavam-me numa cadeira alta com uma almofada de cabedal vermelho para me tonrar crescido e confortável para os rins do Sr. Favinhas, que não tinha calendário de menina nua no espelho nem luzes amarelas. Só das flourescentes e frias que iluminavam o corte por vezes contrariado em arrepio de pente e tesoura, desobediente ao olhar de um pastor alemão de calendário.
E essa memória esqueceu-se no tempo até há poucos anos em que me tornei cliente da primeira num acaso de passar por lá.
O aprendiz tornou-se patrão e o outro empregado continua empregado. Desimporta-me qual deles está disponivel para o corte.
Mas da última vez foi a cadeira do empregado que utilizei.
As luzes tornaram-se brancas com o tempo e as obras de restauro davam ainda cheiro novo. O que restou foi apenas o espelho no mesmo sitío do anterio a ocupar toda a parede frente às cadeiras dferentes da referência primeira e a pin-up agora sem laço, flor ou mesmo a parte de baixo do biquini e fotografada em pose provocante a que hoje nenhum dos miúdos que passam na rua ligarão.
O rádio já não era de pilhas, os jornais multiplicaram-se nas cadeiras de espera. Tema do dia: futebol...selecção.
Apenas perguntei qual tinha sido o resultado...Erro crasso no mote escolhido.
O empregado que tinha começado o corte a pente 4 entusiasmado com o seu protesto aos árbitros ao treinador, ao presidente da federação e até possívelmente ao cortador de relva do estádio não parou de me bombardear com gafanhotos que me atingiram em toda a zona do couro cabeludo ou do que resta dela. O pano creme que me envolvia protegendo-me dos inofenssivos cabelinhos caídos foi incapaz de ficar com uma área menos salpicada com cada perdigoto lançado por aquela criatura fora de si.
Percebi que futebol não seria definitivamente um bom tema para conversa com empregado de quem apenas tinha um reparo anterior.
O facto de se encostar demasiado aos braços dos clientes durante cada prestação. Pedi reforço no elixir pós corte. A intensidade de alcool deveria desmicróbiar tudo.
Levantei-me e deixei por herança momentanea o lugar na cadeira do empregado, a um cliente novo, seco e acabadinho de chegar:
- Tás bom Manel? Viste o jogo?
E ainda consegui sair dali antes do Manel responder

Holandês Vicentino



O Sol nascia preguiçoso por detrás do pinhal desordenado da costa alentejana com o Mira a rasgar-lhe a praia.
A humidade nocturna a desvanecer-se no ar e na areia. As primeiras pegadas, dos veraneantes madrugadores, até ao espaço ocupado de costas para o mar.
Gosto da vista do cimo da falésia e da areia, que a geada molhou, a colar-se-me aos pés.
A água a esverdiar-se a cada novo grau de nascente. Aqueles odores de manhã que nenhuma parede de cimento cheirou.
O silêncio, de ondas suaves empurrando pedrinhas de beira-mar e areia, de aves marítimas, de canaviais vizinhos, de… outros silêncios ouvidos.
Depois da última duna… o mar perdeu o interesse do olhar primeiro, fugindo para o fundo do areal. Na irregularidade da pequena falésia amostras de cascatas sazonais desenhavam cursos de flora a cada descer. Sem vestígios de pegadas, sem lixo perdido, sem traços recentes de espaço ocupado…como se aquele estacionamento imprevisto lhe fora destinado por Nemo.
Aproximei-me, descendo por um carreiro de areia, estreito e esquecido, entre sebes e rochas. E ele ali, roubado ao mar… ou trazido durante a borrasca para um pedestal arenoso. Pintado a ferrugem pelas demãos dos anos. E do tempo que lhe roubou a alma de cores e memória mareante. Desistiu do oceano, ao astear o hélice na areia à espera que a última onda de inverno o misturasse com a desvontade de se sentir vivo...

Era um rebocador holandês, contou-me um pescador da praia seguinte: “Foi aí por 96. O mar partia muito”.
A máquina parou e o vento noroeste acabou por empurrá-lo para a costa rochosa e traiçoeira.
Os quatro tripulantes foram salvos. Ele não…

Fui...mas acho que volto, noutra incerteza do tempo




O pano subiu... As férias começaram a ritmo de primeiro acto.
Alentejo que desejo poiso, noutro meu ficar.
Navio náufrago vicentinamente cativo.

Lagos em acto segundo, de praias tímidas por descobrir.
Chinelo de praia caído numa rotunda sentindo-se pisado por outros pisos de borracha.
Ruídos de boca a suarem desejos no quarto ao lado.

E o acto terceiro quase a chegar, para na apoteose da peça voltar a fechar o pano até outros sinais audíveis de Molière.

Em Almadéna, a sul, o sol esconde-se por detrás da terra...

Ventos



Sexta-feira quase a morrer no calendário. Degraus servem de banco. Poste, parede e corrimão dão encosto a quem o tempo vai tirando o equilíbrio. No meio de risos, olhares, seduções, vozes em uníssono ou um duo de trovadores de fim de semana, lá do alto Camões vê o chão pegajoso de muita cerveja entornada e outros usos de noite lisboeta. Os carros passam iluminados de som, os passeios usam-se pelos saltos altos pintados de noite. Este canto alto da cidade padece de insónias e overdose de gente.
No quiosque dos sóbrios, mesmo ali ao lado também ninguém se importa com as folhas de jornal que o vento traz. Ficam restos de capilés, groselhas e licores em copos bebidos e esquecidos que a chuva miúda ajuda a borrifar.
Agora em sopro de tímido, uma folha de jornal esvoaça para uma grelha de pulmão de estacionamento: “MORREU O REI DA POP”.
Sabendo que só eu e ele tínhamos reparado no surrealismo do cenário... piscou-me o olho possível de piscar e do alto daquela praça sua, sussurrou às musas, olhando o Tejo, em jeito propemptikoniano.

“Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição”

Diablo Rojo



Olhou para a esquerda e direita 4 vezes. Atavessou apressada na passadeira como se o tempo lhe fosse breve na caminhada diária até ao outro lado da cidade. Parou em frente do restaurante, fechado naquela hora matinal. Aproximou o olhar da ementa colada na porta num gesto de tique de leitura de cima abaixo. Retomou o passo lesto e empenhado no chegar, à próxima ementa.
De outras vezes vi-a numa paragem de autocarro.Sentada na pontinha do banco, pernas juntas, postura direita, mochila pequena,mãos, de tez morena, cruzadas sobre os joelhos e afastada do contacto com o mundo estranho daqueles com que tinha de partilhar aquele poiso comum. Um após outro que chegava e partia, indiferentes a uma pretensa passageira de paragem.. Entravam e saíam pessoas de camionetas usadas e poluentes, mas ela lá continuava até o desígnio do seu querer. Olhava um ponto fixo no meio de quem passava. Talvez secreto, talvez abandonado numa qualquer cor ou lugar do seu quimérico olhar.
Vestia sempre cores a destoar com cada estação. Vivas no inverno, escuras no verão, reservando-se o direito à desavença com o tempo. Ou apenas porque os seus olhos eram diferentes a ler ementas de restaurante e as tendências do ( seu ) tempo.
Durante o nosso dia desmedido de relógio de pulso, ela contrariava-lhe as horas e os compassos, numa arrogância indiferente e troçista.
E hoje voltei a vê-la. Tunica vermelha, ténis vermelhos, cabelo apanhado em duas partes de tranças de menina. Talvez afinal o calor não lhe fosse tão indiferente assim. Sentada no muro da igreja com os olhos presos à porta aberta, fazendo fronteira entre o sol tórrido e a sombra de confessionário, no mesmo olhar de paragem de autocarro. Parei e fiquei, sem pressa, a vê-la assim meio apartado e escondido.
Ora se voltava para o lado oposto no sentido do altar e a porta, ora à posição inicial. Repetiu-se umas 3 vezes a intervalos comedidos. Saltou do muro num pulinho alegre, tirou uma maçã vermelha da mochila, deu a pimeira dentada decidida e retomou o passo, desaparecendo na esquina.
Seremos nós, os de relógio de pulso, quem não sabe viver o tempo com a despreocupação do próximo segundo?
Apeteceu-me, mas fiquei no sortilégio estático de, ir atrás dela e pedir-lhe uma dentada daquela maçã intemporal...

Devota

Hoje, dia de voto, a rua acordou silenciosa. Menos carros, mais gente a caminhar de forma discreta e poucas conversas de esquina.
Esperava ansiosamente pelas Europeias 09 para completar a teoria, de que em dias de procissão e voto, o nivel sonoro é estranhamente reduzido.
Não há buzinas, nem demonstrações de décibéis em tuners de corres vivas, não há aquele barulho característico de rua movimentada por quem passa, como se a querer deixar a marca ao passar, no passeio dos famosos de rua banal.

Ele, de traje descontraído vai uns passos mais à frente da esposa, de penteado cuidado e roupa ainda a denunciar naftalina e mala acordada ao vegetal. Ele sai todos os dias, ela não. Ela, mesmo que uns passos mais atrás tem orgulho nesse passear com o seu homem mesmo àquela distância, mesmo que apenas para ir ao fundo da rua direita para votar, num ir eternamente curto, de tão agradávelmente invulgar que se tornou.
E ele, sorridente, fala aos amigos por quem passa e ela espera uns passos mais à frente. O momento mais próximo em que estão juntos na saída de dever cívico, é na fila da mesa de voto, se a afluência de votantes promover esse restício de tempo a dois. De olhares descruzados, mas próximos.
E votam...ele primeiro...ela depois...e ele sai....e ela sai acelerando o passo para não o perder na caminhada lenta.
Ela fala a uma conhecida e ele continua o caminhar de mãos atrás das costas, sedento que chegar a todo o lado que não aquele. Ela despede-se a correr e retoma-lhe o rasto na última calçada até casa.
Chegam, no mesmo silêncio em que partiram. Ela tira o casaco e de forma cuidada pendura-o no cabide da esperança, de voltarem ainda a sair. Veste o bibe, serve-lhe o almoço na mesa da cozinha enquanto ele pousa o jornal desportivo na cadeira de ninguém.
A conversa resume-se a temas gastronómicos próximos, deixando os talheres travarem diálogos repetidos e tão desinteressadamente atraentes.
Ela olha-o depois da derradeira colher de arroz doce esperando que diga algo diferente de:
- Vou ao café. Até logo.
A cadeira dele continua o diálogo previsível e arrastado, a porta da rua termina-o em ponto final.
Na cozinha a água passeia-se por pratos, talheres e panelas.
No regresso ao silêncio, ela vai ao quarto...despe a roupa e a fé de outra saída adiada...até ás proximas eleições.
Abre a janela, tira o canário do prego e põe a gaiola na cozinha.
Dá de beber ás plantas e recebe o sorriso florido de hoje. Liga o rádio da sala, apoia-se na almofada para os cotovelos no parapeito da janela grande e fica a ver quem passa, desejando noutro sorriso escondido, ser demoradamente levada pela mão...só até ao fim da rua.

Parágrafozinhos...inhos

Chegou a época balnear. As praias já estão vigiadas e cheias de alunos grandes de vestuário reduzido e pequeninos de chapéus coloridos. 226 praias ou zonas balnerares têem este ano a bandeira azul (mais 33 que em 2008). Sò não consigo entender como é que a tabaqueira é um dos apoios do projecto, bem como a vodafone na vertente praia saudável. Para o ano teremos a wiskas a patrocinar a máxima “ Venha á praia e traga o seu animal consigo”... ou mais interessante ainda...”Venha à praia e traga o animal que há em si”?

A campanha das europeias não fica atrás da tendência de calendário e sobe, sobe, sobe qual balão da Manuela, mas descalça formosa e tão nada segura.
375 milhões de vizinhos europeus podem votar para eleger 736 eurodeputados. Por cá o burguinho elege 22.
Figo deu a cara pelo voto. Cristiano disse que não ao voto recusando participar na campanha ao dever cívico europeu...e inverto-lhe o meu polegar. Votemos.

Os profissionais da PSP tem agora uma nova escolha associativa. Foi criada a associação gay daquele corpo policial. Os 3 fundadores dizem que foi criada de forma a sensibilizar os polícias para a descriminação de que são alvo. Fiquei sem perceber a notícia, talvez por a ter ouvido ao acordar e ainda rameloso. Mas se a memória a esta hora da manhã não me traí, penso que uma associação necessita de mais de 3 elementos para ser criada...creio. Chamem a polícia uou uou uou...

Azeite para barrar. È mesmo isso... vai saber a azeite cheirar a azeite vai manter todas as propriedades do azeite. Ainda este ano na mercearia da esquina.
Espero que seja um produto de patente registada e com espectativas optimistas de exportação.
“Mãããããããããeeeeeeeeeeeee quero uma carcaça com azeite e marmelada”

O aspirador redondinho e espertinho é carinho, custa o ordenado mínimo mais ¼.
Anda pela casa toda aspira o mais pequenininho dos pelinhos escondidinho debaixo de um sofázinho desde que não esteja num cantinho assim muito chegadinho ao ângulozinho.
Também serve para tirar o stress ao gato que farto de o tentar fintar o torna montada durante a tarefa. As fadas do lar vão adorar. E os eles delas também.

A crise chegou à monarquia. A rainha Sofia viajou numa companhia de baixo custo.
Bebeu um chá gelado e comeu uma sandes durante a viagem. Um dia destes a EasyJet cria uma classe ainda mais económica nos aviões. Poderá ser no andar de baixo junto ás malas , em que os passageiros pedalam para reduzir o consumo dos reactores. Uma iniciativa que poderá ter a cara da nossa Vanessa ou do Armstrong vestido de cor de rosa.

Vou ali, mas volto.

Story


MusicPlaylist
Music Playlist at MixPod.com


Entraste num dia em que o Sol se impunha de mão dada pela brisa, naquele resto de Tejo a abraçar o oceano.
Quantas luas passaram, quantas cheias ou vazas marés, quantas vontades por provar, quantos amargos de boca morreram, quantos sonhos roubados, quanto tempo em viagem de ida sem projecto de volta, quanto de cada um deixou que o relógio parasse sem vontade de o acordar, quanto?... de tudo...

Perdi a conta ao que hoje voltou em forma de acordes e voz de outra memória de estrada para andar.
A primeira era “história”de fundo de telefone durante o chamar. E autobiográficamente, espelho de reflexos comuns.
Noutro momento e espaço longe das marés do estuário Lisboeta sem brisa nem abraço ouvi-a de novo num FM próximo.
De outra vez...de outras tantas vezes, fundo de publicidade de cinema sempre que as marés eram vazas
Noutra ainda quando na margem de outro rio o chá de limão odorava sorrisos de descoberta. E em tantos outros multiplicados momentos, de caminho sinuoso e lamaçento, de dias cinzentos.

O cenário musical de fundo repetido na probabilidade de diferentes começos de “história”, que deixei de contar, eternizou-me por dentro cada compasso... cada sílaba.. Gostei que essa brisa em jeito de pos-it me chegasse em tom audível que aprendi a deixar atravessar-me ou ficar... quase sempre ficar

Hoje, a mesma “historia” acordou-me fora de horas, em cenário sem vento, distante do mar.

Faço-lhe “história”... guardo-a junto a pedras de caminho e infinitos pedaços teus, no baú da memória selectiva... salpico de verde o negro e em esquisso de carreiro... rumo à estrada.

Rotunda




O Sol tinha-se retirado na previsível e universal divergência metereológica com a chuva, .
Ela chegou, como sempre, sem avisar caíndo de braço dado com a gravidade ... a molhar a última conquista de Rá, sugerindo a corrida para um abrigo seguro, afastado desse contágio de gotas obesamente indesejáveis.
Sempre que a chuva caí, torna-se exemplo primeiro onde o caír não lhe é doloroso e singular e deixa-se cair com ela aquele silêncio obstinado e audível.
A estrada torna-se mais lenta, as luzes mostram-se e ela sorri com aquele seu lado convencido por ter voltado a ganhar ao provocar o encolher dos outros.
Numa berma da rotunda vi-o sentado no rail desafiando a chuva deixando-a de ombros rendidos cair-se por ele. O carro teria capotado e voltado ao estado inicial semeando pela estrada infértil os restos daquele final de tarde indesejado, com sintomas graves e melhoras rápidas pouco optimistas.
Ficou-me a imagem de ambos, molhados, presos naquele silêncio indolente à espera que a chuva ou a página mudassem.
Antes fazer meia volta no final da recta vi a intermitência de luzes azuis aproximarem-se da rotunda e segui em frente.

Cheque ou numerário?

A hora de almoço serve para duas coisas. Almoçar e ir para a bicha do banco.
Depois os adeptos da segunda hipotese lamentam a demora dos serviços, não entendendo que os bancários também almoçam também vão a outros bancos tornando o pessoal reduzido no balcão, viciando-se todo o ciclo.
Comentários de bicha:
- Não sei porque é que mudei pra isto. Nunca vi, é sempre esta cegada... (Lamenta a senhora de avental, intensamente perfumada de fragrância marítima.)
- Querem é o graveto...parvo sou eu que, se não fosse o crédito, já tinha mudado( diz o último da anmada espera).
Estava lançado o mote.
Uma porta abre-se e de papeis na mão, a funcionária cola os olhares e protestos adiados dos esperantes em espera até se diluir a sua passagem na porta do fundo. Elas olharam-na de alto a baixo num silêncio de inveja, eles estáticos de aparência em exaltação interior.
- E outra vez à espera.
- Não percebo como é que não põem mais pessoal.
- Com tanta gente desempregada.
- Por acaso o Ronaldo deve ter mesmo conta neste banco deve.
- Esse não precisa de vir ao banco.
- É o banco que lá vai.
- A Londres?
- Onde for preciso.
- Eu até ía e tratava-lhe do dinheirnho.
- Até lhe pagam para andar aí a dizer que este é que é bom.
- Bom é ele.
- Se eu ganhasse como ele não me importava de esperar o dia todo.
- Nem eu.
- Eu nem esperava, comprava era o banco.
A funcionária faz o percurso inverso e o cenário repete-se...o silêncio a calar o diálogo cliente.
Outro funcionário aparece no segundo balcão:
- Próximo, pela ordem da fila por favor.
Fiquei a perceber que a noção de próximo nas bichas do banco em hora de almoço, é plural e se multiplica por 3, mas acaba sempre em bem. Afinal o “não custa tentar”, poderia ser uma estrofe do hino nacional.
Tornei-me adepto das bichas de banco à hora de almoço.

Passos...

Sempre que o tempo se engana de propósito apenas para confundir o que veste, ela troca-lhe as voltas. Por baixo do casaco comprido, vestiu de manhã, um tom verde vivo e justo denunciando-lhe as curvas.
Costumava passear pelo parque, demorar-se nas esplanadas, até que cada momento vivido a olhar os outros a fizesse mudar de lugar. Depois de roubar esse instante sem que ninguém percebesse sentia-se renovada. O gosto pela reacção invulgar dos outros eram puro prazer.
Ao descer a avenida, um piropo vindo de um banco vizinho, acertou-lhe em cheio. Retribui com um sorriso elevando o ego do emissor.
Ele, levantou-se e caminhou ao seu lado durante uns metros...ela não pareceu incomodar-se.
- Vai acompanhar-me até onde?
- Ao fim do mundo.. Posso?
- Pode. E consegue? Em silêncio?
- Andar é um prazer. Faço-o com regularidade.
Ela sorri de novo, mas por dentro.
E descem o Eduardo VII, Liberdade, Rossio, Nova do Almada, Arsenal...e no Cais do Sodré em ritmo igual , ele já menos seduzido pela persistência rítmica do seu andar:
- Vejo que também é uma amante da caminhada.
Ela responde com um sorriso, visível.
24 de Julho, 24 de Julho, 24 de Julho...:e ele fascinado com as curvas dela em movimento, mas menos com a recta interminável da avenida:
- O seu destino pode ser partilhado?
- Claro. O meu destino é um beijo.
Ele ganhou “energia” para chegar a Cascais...
Índia, Índia, Índia:
- Posso oferecer-lhe uma água? Não tem sede?
- Não. E você?
- Estou habituado e beber muita água sabe?
- Imagino. Desiste?
- Claro que não, mas preciso beber.
- Então desiste? Parar é desistir.
Ele sorri escondendo a derrota, de forma a que ela não percebesse.
- Acha que me consegue acompanhar até Carcavelos?
- Carcavelos?...
Ela aproxima-se dele, olha-o nos olhos e beija-o na boca, com um toque de lábios provocante, medalhado e vitorioso:
- Eu disse-lhe que o meu destino era um beijo. Perdeu...
Incapaz para resolver naquele instante o que faria a seguir... conseguiu apenas ficar a vê-la afastar-se ...

Rock in Rio Tejo



O Seixal como tantos outros cantos do Tejo comemorou os cravos numa noite fria de Abril deste 2009. Há muito tempo que não via tanta gente ensardinhada na rua frente a um palco. Fogo de artifício local e vizinho, porque a vista deixava. Pipocas, bifanas, balões, luzinhas de cores, empurranços, trambulhões, assobios, braços e copos no ar, cheiro a farturas adoçadas com risos e abraços de encontros.
O concerto começou e conseguimos chegar bem pertinho do palco, numa aventura de grupo em que alguns se perderam, nas esquinas de outros que não quiseram avançar.
Não me acho um resistente da época Punk dos Xutos, mas houve quem se fizesse notar por isso. Ao som de algumas do último CD ouviam-se protestos de companheiros de plateia tipo:
"Vão vender discos pró caralho...toquem xutos pá...", Pega no baixo e manda a puta da acústica fora ó Tim", "Romanticos de cagalhão"...
Mas os que nos 80 também passaram pelo RRV, voltavam a saltar e a esgotar a voz quando um tema cheirava mais a Xutos desse tempo.
Na foto tocava-se "Homem do Leme", do album "Cerco" de 86, um vinil marcante da banda. Lembro-me de ter juntado uns escudos durante uns dias para o comprar e não o emprestei a ninguém, tendo ganho alguns inimigos no circulo de amizades próximo.
Afinal em noites assim a malta cota quer é música, bjecas a acompanhar e muito "incenso" a rodar.

On the road...



Uma tarde quente de Fevereiro a sugerir neles o casaco no banco de trás do cabriolé e pelos óculos escuros o olhar aberto ao mundo da mini saia.
O trânsito afunilava no Marquês formando um acordeão poluente até às Amoreiras.
Morena encaracolada, de cigarro compridinho a pingar quase em prolongamento gémeo das unhas de gel, olhar distante a adivinhar-se por detrás dos óculos astronauticos um pouco acima dos lábios pintados em bordeaux acastanhado, a falar em mãos livres dentro do seu SLK preto reluzente.
Avançando quase lado a lado num bailado urbano pediu-me passagem para ganhar alguns lugares e acedi ao pedido. Uns metros mais à frente e talvez outra chamada voltou ao lado direito inicial. Voltámos a estar lado a lado e trocámos o olhar com o seu encolher de ombros em jeito moreno de desculpa por não te resultado a manobra anterior. O carro da frente tentou passar para a fila da esquerda e ela não hesitou...decidida e despachada guinou para a direita subindo o passeio não fosse o condutor desistente ficar por ali tempo inconveniente á sua pressa. Rodinhas de metade do Mercedes no passeio e ainda por cima ao Sol em situação engarrafada não são tarefa fácil, até porque o cabelo iria ficar oleoso de tanta invasão da mãozinha esquerda e o telemovel já deveria ter feito naquele espaço todas as chamadas possíveis com o propósito de coisa nenhuma... ela decide cabriolar o carrinho. Claro que todos os que já tiveram o rabinho dentro de um SLK da primeira versão sabem que a tarefa é impossivel com o pópózinho desnivelado. O trânsito tinha ficado espectador involuntário e imóvel daquela curta metragem deliciosa.
A morena bem carregava no botão mas a capota recusava obedecer.
E a cada segundo o botão era massacrado violentamente, por parte da sua unha de gel e pontinha de dedo frustrado. No que uma mulher se pode tornar frente a um tejadilho teimoso. Escuso-me a repetir o que ouvi...garantindo que a Inquisição teria sido um colégio de freiiras frente á fúria verbal da menina astronautica.. Ela abriu a porta e antes se deslocar ao capot... decidi facilitar-lhe o resto da tarde.
- Desculpe!
- Sim diga! (Disse-me em tom meio de acordo com a fúria verbal anterior)
- Experimente voltar a por as rodas fora do passeio e vai ver que resulta.
- Não percebo ( Desta vez já mais de acordo com o estilo moreno)
- Os SLK como o seu só abrem a capota se estiverem numa superficie plana.Experimente descer as rodas do passeio.
- Haaaaaaaa, e não se importa de me ajudar? ( Agora em tom sensual)
- Penso que para descer as rodas do passeio não vai precisar da minha ajuda...
Pressionou o capot e voltou para dentro do carro.
O transito avançou mais uns metros ela desceu as rodinhas para o alcatrão e continuámos a par até uma nova paragem.
O dedinho da unha de gel voltou a pressionar o botão e Salomão abriu-lhe o tejadilho como que por milagre.
Voltou a cara para o meu lado quase ao ralenti em jeito de anuncio L'Oreal com os cabelos a acompanharem e levantarem pela força centrifuga a uma velocidade estonteante de câmara lenta... esboçando o seu melhor sorriso corado e as mãos juntas em agradecimento verbal.
Eu afastei as minhas em simpatia com um encolher de ombros sorridente.
Ela reforçou o agradecimento com um beijo soprado e glamouroso.
Aproveitei a brisa e pedi-lhe licença para me meter na frente e voltar á direita.
Deu-me passagem em jeito de vénia e mãozinha a acenar.
Retribuí taambém de mãozinha no ar enquanto ela repetia o gesto no meu retrovisor.
A minha teoria de que só loiras guiavam SLK tornava-se obsoleta naquele instante.

Sussurros I


Num daqueles silêncios repentinos, como se todos os outros sentidos batessem o pé recusando-se continuar...reconheci-lhe o andar na calçada polida. A porta da entrada saudando-a baixinho e tímida … a outra num ruído repetido de abrir e fechar quando não houve correio …o primeiro lance de escada com o ultimo degrau a ranger… uma réstia perfumada de Lempicka sempre a teimar chegar-me ao nariz … o ritual a cumprir-se …os dois “taques” do corrimão orgulhoso em protegê-la dos saltos de segunda a sexta…e outro lance...o único momento em que lhe perco o rasto…mas que adivinho logo a seguir… chocalhando a mala até encontrar o molho de chaves…a porta que se abre e faz por simpatia mexer a do meu prmeiro andar quando volta a fechar.
Os passos dela, agora descalços, no andar de cima. A água a correr…a música a tocar após outra pausa invulgar…CD ou rádio?
Sorri…era o disco de que lhe falei, no meio de um bom dia cruzado de pastel de Belém na mão a caminho de casa… seria a curiosidade insuportável? Gostei de a imaginar comprar o que lhe sugeri, apesar de me ter dito que só ouvia World e Chill.
Levantou o volume…imagino-a a olhar para a capa do disco folheando o interior a caminho do banho...Confirmei…e também que não fechou a porta…estranho.
Continuei a olhar o rio naquele quase final de tarde de Março agradavelmente contagiado pelos graves que me invadiam acusticamente a sala.
Ela ainda na banheira…o telefone…que mais uma vez não atende. Já sem musica, daí a outro tanto de tempo é denunciada pela água a escorregar-se por ela até se misturar com as ondas da banheira..Os passos até ao outro lado da sala num vestir de roupão…senti-a abrir a janela para aquele primeiro gesto nesta Primavera...afastar energicamente dos cabelos longos qualquer vestígio de água …vejo gotas caírem-me na varanda ….Acendeu a fósforo um cigarro... perdeu-se no olhar o Tejo...e fez o Jamie bisar depois de se deitar no hamac de canto.
“What a Difference a Day Made” ?

Interruptores



Faltou a luz. Apesar do século XXI ter vindo para ficar outro tanto como o anterior, o facto é que quando ela se vai nunca me avisa. Apetece-lhe e pronto. Não há previsão nem data para os seus períodos de ausência.
No escuro e durante um eterno lapso de tempo...porque sem luz não há relógio para o medir e não me apeteceu levantar e ir pedir informação ao télémóvel...fiquei num pensamento provocado.
A memória foi direitinha a um gesto temporalmente tão distante que nem sei como lá chegou tão depressa. A luz também tinha faltado e a primeira frase que relembro foi:
- Deve ter sido a lâmpada. Acende outro interruptor ( porque o acto bricoleiro de mudar uma lâmpada não era banal nessa altura – fato de macaco, escadote e caixa de ferramentas eram adereços obrigatórios nesse gesto forçosamente profissional e claro, contratado).
A provar que a culpa primeira seria sempre da casa. Acho que pôr o estado em causa, naquela altura a Empresa Pública de Gás e Electricidade ( se a memória também não se apagou entretanto), seria quase sacrilégio punido com penitência vitalícia. E então lá se tiravam as dúvidas com dois ou três cliques e fricções enferrujadas dos interruptores de cobre ou porcelana, que me davam um gozo enorme mexer invadido pelo vício do meu psicadelismo infantil. Era uma atracção fatal. Hoje eu teria sido um interruptorodependente reincidente e condenado. Talvez modelo de tese sobre o efeito dos interruptores de parede na evolução cognitiva da criança.
E os tais cliques de que me lembro assim, nas casas da família que frequentava, resumiam-se aos interruptores tão desejados, aos cinco ou seis dos rádios a válvulas, a outros tantos do televisor (na altura masculino) e ao botão de pressão das campainhas das portas de entrada. Ou seja uma vintena de botões todos com som próprio e caracteristico.

E eis que a luz voltou...e se reacenderam leds e o frigorifico sussurou e o micro ondas bipou e outros bips vários se fizeram ouvir e a box reiniciou e o LCD voltou a mostrar-me o mundo e o computador se reacendeu e o telefone avisou e a normalidade impaciente voltou ao batimento cardiaco normal e os candeeiros da rua voltaram a iluminar quem passa....
Olhei para o lado esquerdo e contei os botões sem clique de dois comandos que toco apenas com um dedo e me mudam o mundo todos os dias...92.
E se um dia a luz não voltar?

Newton Faulkner - All I Got


Um tema fantástico em som West Coast. Consegui finalmente plagiar o link. Gostooooooo ... e tu?

Fado triste


A tarde tinha entrado em temperatura descendente. O benfiquista denunciado pelo boné é também adepto de pescaria de rio e fado.
Estes traços podem completar-se com outros que vêm por acréscimo, na lógica marialvista.
A sandes de chouriço, denunciada pelo vento, a mini, foram matabicho lanchado.
E porque todo o ele que se preze não micta em qualquer lado, vi-o rondar a vedação vizinha na busca de um buraco na rede, que até lá estava escondido, entre uma arvore que cresceu por entre os buracos de arame.
Uns instantes depois, lá o vi voltar ao lado de cá da vedação. Vnha com uma das mãos, escondida atrás das costas.
Ao chegar ao pé da carrinha bateu devagarinho com a outra mão no vidro e reparei que estava uma senhora no banco da frente, escondida, talvez cúmplice da sesta. Levantou a cabeça e sem sequer abrir o vidro, num gesto frio disse que não com a cabeça, reforçou o gesto com a mão e voltou a desaparecer.
Ele ficou um instante com o ramo de flores silvestres amarelas estendido e acabou por o pendurar friamente em jeito de protesto passivo no retrovisor da carrinha.
Não resisti a dar uso ao tlm para uma foto, onde se pode ver o ramo pendurado no retrovisor do pendura.
Virou costas e trocou a ternura falhada pela cana de pesca e o prazer do último resto da mini.
O mexer da ponta da cana trouxe alguma emoção ao momento e um peixe gordo ofereceu-lhe talvez o derradeiro sorriso daquele dia. Arrumou tudo e foram-se embora. Na inversão de marcha, o ramo caíu na berma e com ele aquele “fado” florido, talvez raro e sorridente, que se perdeu na intenção do pescador benfiquista.

Lua de Março


Escrever de manhã sobre um foto nocturna é como cruzar os braços e falar de uma actividade stressante ao som de música Zen com um travo absintico e já agora com o ambiente fumado a erva...que até pode ser doce.
A foto aconteceu porque os elementos estavam todos lá e passaram-me pelos olhos numa panorâmica magalómana de 12º andar.
A Torre Vasco da Gama em tom de azul interpretando o papel secundário de um farol urbano, a Lua a confessar que o próximo dia seria de calor e a fila ordenada de luzes da segunda ponte do Tejo a separar o rio da outra margem no enquadramento luminoso e multicolor.
Não fosse a máquina da Fátima e teria perdido aquele instante. Por entre convivas e copos e conversas trocadas e doces e salgados e risos ...um clic roubado a um instante da uma noite...sinto-me ladrão, com um proveito saboroso de há muito tempo não “roubar” assim.
Curiosa é também a data ...há seis anos atrás eternizei um por do Sol a sul e tomei pela primeira vez um banho de Março com sabor quase mediterrânico a sugerir beijos de Lua.
A Primavera a cada ano mais precoce não deixa nunca de me surpreender.
As andorinhas estão quase aí e eu... quero outras noites assim.
Clic...

Janela



Uma janela, de sala de espera de consultório, virada para a rua. Um bairro modesto de calçada antiga, lojas pequenas e mercearias com fruta reluzente e cuidadosamente empilhada, prontinha para se trincar.
Cãezinhos pela trela e tertúlias de ocasião a darem o toque final a um cenário cada vez mais raro do calendário XXI, onde ainda se vêm frequentadores de praças municipais onde o tempo parece ter mais horas que nos centros comerciais.
Um homem, idade avançada, passo ligeiro, cumprimenta com um levantar de chapéu em quase vénia uma conhecida ficando os dois ali a falar alegremente a julgar pelos sorrisos. Despede-se com o mesmo gesto delicado e cavalheiresco. Uns metros mais à frente repete o gesto para outra senhora esta de mais idade. Ajuda depois uma mãe a desdobrar o carrinho de bébé. E antes de dobrar, desta vez, a esquina, até quase me fazer esborrachar o nariz no vidro para acompanhar aquela fatia da sua caminhada matinal, ainda o vi apanhar algo do chão e entregar à senhora que pendurava os jornais na porta da papelaria.

Apetece-me um dia, uma vila em que o tempo passe assim com aquela pressa vagarosa onde o vento tenha preguiça de soprar, onde o sol se demore mais a cada dia e o silêncio se retrate nas casas brancas de piso térreo com telhados de barro antigo.

Alguém abriu a janela e deixou que o som da rua me apagasse a imagem da vila branca. Olhei para o relogio digital, mesmo ao lado de um plasma enorme que prendia a atenção dos “esperantes”numa das paredes da sala e vi que afinal o tempo avançava da mesma maneira.
Uma voz suave e simpática repetiu-me o nome e segui-a para outro cenário.

Vistas e revistas



Aqui no cantinho da biblioteca descartável onde as revistas nunca se vendem, apenas se consultam, se desfolham, se retorcem nas pontas das páginas e se enchem de saliva pelos dedos dos leitores de supermercado, chegam mais dois ensalivadores para um "revistar" contente de hora de almoço.
Aproximam-se decididos. Penso que o alvo são os carros desportivos ou na melhor das hipoteses a última edição de uma revista de gajo, com menina encalorada na capa. Mas não. A mãozinha decidida de um dos leitores pára na ponta da prateleira mesmo ali ao lado da imprensa colorida e do ponto cruz. Cor de rosa? uma revista cor de rosa nas mãos de um gajo, ou quase dois. Porque ao abrir, o outro segurou também não fosse o peso ser demasiado para o primeiro:
- Vês vês? Como a gaja sempre casou com ele?
- Então mas eu disse-te, pá.
- Porra mas o gajo é feio...com uma gaja destas...
- Mas deve ter guito...o que é que estás à espera.
Mais umas folhas, e mais um molhar de dedinhos, e mais fotos adiante:
- É pá esta Luciana ficou com umas mamas... olha-me pra isto (assobio).
Comenta o primeiro enquanto afasta a revista até ao limite dos braçinhos para a contemplação total.
- E morena ainda fica mais tesuda. O Ronaldo é que já lhe deve ter marcado uns golos valentes.
- És parvo pá, o Ronaldo não quer nada com a gaja.
- A mãe dele é que a queria para nora.
- Olha a festa do maricon...
- Paneleirote mas é só gajas boas olha lá. Tudo transparente, o que ela precisa sei eu.
- Foi esta que casou com o tal gajo que era médico.
- Não casou nada ...viveram juntos mas pouco tempo, agora está com aquele gajo das novelas. A mulher dele era aquela...que escreve.
E num virar de página virei de corredor.
Sempre achei que este tipo de comentários eram próprio mais delas, acompanhados do cruzar braçinhos com o obrigatório segurar do queixo na palma da mão deixando a boca entre o mindinho e o anelar...mas vi que não.
Será que andei alheio às tendências literárias mais recentes?
Então mas eles já não lêm a plaboy? Só vêm os programas da Julia Pinheiro e da Fátima Lopes? Será que regam os almoços com a Maya e os comentários do Goucha?
Será que estou a entrar na andropausa intelectual e não dei por isso? Passo pelo corredor do pronto a vestir e olho-me bem ao espelho...ao perto, ao longe e ao meio. Já se notam cabelos brancos...monteeeeeeeeees deles, as rugas começam a medrar... é o príncipio do fim...amanhã vou ao médico pedir um exame á próstata. E por via das dúvidas vou comprar a Playboy e a Penthouse e aderir aos canais X por cabo e satélite e já agora tornar-me sócio de um videoclube.
As compras não me estão a correr nada bem hoje. Será que haverá por aqui chá de cidreira?