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17 de Setembro...de outro milénio


Entrou pelo quarto durante o toque das cinco, na sirene da fábrica.
Abriu ainda mais os olhos azuis como puxando a vontade de encontrar, no meio do caos, de roupas e adereços de uma vida de palcos, o que se tinha esquecido. Adiantou-se no ímpeto de achar a qualquer preço naquele canto da memória, o que o passado a fez recordar.
Revolveu gavetas e todos os cantos daquele aparador feito cómoda de avó, caixas de sapatos aconchegadas em pó de momentos esquecidos debaixo daquela cama barulhenta.
Subir ao mais alto que os pés podiam, naquela cadeira em que adorava perder-se em momentos sós . Mas o cimo do roupeiro tinha restos de tudo menos do que procurava.
Meia hora de busca desvairada, e encontrou-a finalmente, entre a cabeceira da cama e a parede, no meio de beatas, fotos rasgadas, preservativos ressequidos e uma caixa de goronzan, num gesto de desespero, quase a abrir a represa do descontrole, salgado a negro sombra.
Despiu-se. Apanhou o cabelo. Encheu a banheira. Acendeu uma vela vermelha de cheiro a morango. Abraçou o cinto ao braço direito. Esperou que a espuma eterna na colher abafasse aquela última tarde fria de Outubro...calando aquele último gesto, o fechar azul dos olhos, tantas vezes vivos na eterna vontade de o ser...

1 comentários:

Azul disse...
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