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...E assim, de repente, passaram vinte anos.


O tempo que ficou atrás das costas parece ter passado mais depressa que este do presente recente. Se todo o tempo falasse sobre o tempo que demora a passar talvez as memórias não tivessem razão de existir.

O Sol ainda se escondia tímido atrás dos prédios e o dia começava como todos os outros, não fosse algum cheiro a incêndio e um ou outro pequeno pedaço de papel a esvoaçar. A curiosidade levou-me a seguir um até o apanhar. Apercebi-me que era um resto de factura queimada quase por completo.
Os carros estavam ligeiramente cobertos por cinza fina.
A caminho de Lisboa vi o fumo e pela rádio fiquei a saber que o Chiado ardia.
Relembro o antes do fogo e o que vivi nesse dia em que não resisti a piorar esse sentimento de perder uma referência de infância, de adolescente e de adulto, ao ir ao local do fogo.
Acho que em todas as memórias temos um cantinho do velho Chiado.
Lisboa nunca mais foi sombria naquela zona... o charme dos edifícios sujos, os pedintes nas calçadas, os carteiristas da baixa, os pregões que ainda relembro, as senhoras a escorregar num ou noutra calçada menos aderente, Valentim de Carvalho, a Custodio Cardoso Pereira, o cheiro a pano dos armazens Grandels, tudo ficou só mesmo na memória que visito sempre que me apetece.
Este Chiado é fresco, é novinho, é simpático, até colorido, mas sem história. Terá outros prós que outro tempo tornou prioridade.

...E assim, de repente, passaram vinte anos.

Comadre Lídia

Segunda-feira, 12,34 h...

O toque dos telefones antigos eram muito mais fácil de definir que o dos novos .
Como é que eu defino o toque alternado de uma melodia monofónica? Claro que é indefinível...adiante.
Imaginemos que é um Triiiiiiiiiiiiiiiim
- Tou!
Silêncio de uns três segundos que em espera telefónica se parecem com uma época glaciar.
- É a comadre Lídia ( em sotaque alentejano ).
- Não não é engano.
Outro silêncio eterno de mais uns dois segundos.
- Comadre Lídia???
- Minha senhora já lhe disse que é engano...
- Tou?
- É engano minha senhora.
- É de casa da comadre Lídia?
- Não não é de casa da comadre Lídia.
- Ahhhh. Pode chamar a comadre Lídia por favor?
- Minha senhora já lhe disse que aqui não há nenhuma comadre Lídia.
- Então pode chamá-la se faz favor?
- Já lhe disse que aqui não mora nenhuma Lídia...a senhora enganou-se no número.
- O senhor desculpe mas eu liguei o número que ela me deu o mês passado quando cá esteve e disse-me para ligar, é que ela hoje faz anos sabe?. Porque é que o
senhor me diz que não pode chamar a comadre Lídia?
- Minha senhora porque aqui não mora nenhuma comadre Lídia. O número deve estar errado.Boa tarde.
- O senhor desculpe mas não me pode dizer qual será o número dela?
O silêncio foi meu...devem ter passado uns cinco segundos.
- Não minha senhora eu nao sei o número da comadre Lídia porque não conheço nenhuma Lídia.
- Ahhhh. Então anganei-me foi o que foi. Queira desculpar.

Ainda é Agosto estão 28 º lá fora e amanhã é terça.