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A um amigo...aqui tão perto(AUDIO)

20 de Julho - Dia internacional da amizade

Ser amigo, tornou-se banal, toda a gente é amiga segundo a definição fácil que anda na boca do mundo…principalmente o virtual. A Josefa conhece o Afonso na net e passados dois dias de intenso empenhamento falangico tratam-se por amigos. O Manuel que é recém condutor da Carris começa na pausa de almoço a jogar uma cartada no jardim da Estrela e trata os companheiros de sueca por amigos ao fim de duas horas de corte, manilha, e secas a monte. O vizinho do 18º já é amigo da porteira porque ela lhe entrega o correio ainda quentinho e com tratamento personalizado. Os putos são amigos porque jogam à bola juntos e andam ao estalo pela incompatibilidade clubista.
E as amizades coloridas que duram até o guache acabar e as amizades com prazo de validade e as amizades de verão e de todas as outras estações do ano e as de folha caduca ou persistente…o rol é grande, muito grande.
E os amigos dos nossos amigos que são nossos amigos também…diz o povo à boca alta como se de um pregão se tratasse. .. e já agora os maridos das amigas também e os namorados da filhas deles e já agora o merceeiro que vai lá a casa levar as compras e bebe cházinho de limonete na cozinha com a Gracelina que imigrou para Lisboa e também faz parte da família. E depois os primos que sendo da família são amigos também…e dão palmadinhas nas costas ao pai que os convida para grandes devaneios da gula e afins. E há amigos do peito e da perna e da pá e do lombo… amigos comócaraças que são mais que as ofertas de crédito ao consumo.

Mas…
Quando na raridade de um dia menos bom se precisa de apenas um…unzinho só… às vezes até um terçozinho de amigo servia…népia…nestes… rien de rien…estão todos a trabalhar, estão todos ocupados, estão todos numa daquelas reuniões importantes, estão todos com outro problema grave, “ai desculpa lá mas agora não posso mesmo, depois ligo”…e etc e tal ... e que puta de cena esta.

O amigo …é aquele que faz das tripas coração para ajudar, é aquele que está sempre lá do outro lado, mas esses contam-se pelos dedos das mãos…ou talvez…só de uma das mãos… será que chegam mesmo a ser tantos como os dedos de apenas uma das mãos?…estas interrogações castradoras de optimismo cortante que fazem com que os animais de estimação proliferem como cogumelos nas florestas de betão…

E depois… muitas vezes… ou quase sempre…restam aqueles que partiram mas que continuam por cá bem pertinho de onde mais os gostamos de ter… e não escolhem dimensão nem lugar e quase reagem como nós e nos dão o ombro como se de nós fizessem parte… e nos trazem…assim tão simplesmente…de volta o sorriso no meio de um ou outro riacho salgado que teima em obedecer à gravidade…
Os amigos…os poucos e verdadeiros amigos assim… estão sempre tão perto… que de tão perto que estão … nem precisamos chamar…já lá estavam mesmo antes…de precisarmos deles…porque os amigos são uma espécie de anjos…que como eles… também não tem sexo nem idade.

Dimensões

As conversas são como as cerejas mas raramente dão sumo (ainda estou à espera de um kilo delas ...que me prometeram...). Dietético ou calórico, com mais ou menos polpa, de frutas ou legumes, virtual ou fisíco. O liquidificador neuronal girou, seguindo a gravidade a cada elemento. E o abstrato tomou forma, num sumo de cereja a 4 mãos.
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Alto e magro, crescera sem esqueleto.
Viu-o e desencantou-lhe os ossos e ele conhecendo-se novo chamou-lhe princesa.
Todos os dias roía-lhe os ossos que lhe inventara de forma a convencer-se que eles existiam…
Soubera em tempos pô-los em ordem uns atrás dos outros.
Sentir-lhes as formas, torná-los reais e deixá-los crescer.
Como se tivessem sido sempre parte desse seu tempo, onde a carne se faz vestido, onde o sangue latejante escreve a vida.
Outro Sol descobre-se por detrás da colina imperfeita.
Os sons de gente na cidade a acordar, no zumbido de outro e outro dia.
Ziguezagues, zumbidos, colmeias sem mel, paralelípipedos de betão sem janelas…, precisava de inalar o Azul, cobrir-se com o som do mar, rasgar o peso de todos os Tic-Taques que o sufocavam.
De olhos em bicos-de-pé encarou o SOL…
Cada vez mais a custo, lembrava outras tardes em que o sopro do vento lhe cortava o olhar.
Secava-lhe a boca, na memória sem nexo do adormecer devagar.
Os olhos que teimavam fechar-se e a cidade ali a recomeçar, depois de outra noite no fumo de medo.
Haveria de conseguir, nem que lhe custasse o preço de todo o passado.
O preço do passado…o preço do passado…disco riscado martelando, esculpindo a dor.
Furou os tímpanos, ensurdeceu os fantasmas e gargalhou tão estridentemente que todos os seus vidros se configuraram janelas…
Impotente, oásis do grito, subiu a custo outro lanço de escadas com o soalho por testemunha. Paredes cinzentas pelo pisar de pés, apoio de mãos, conversas baixinho, putos e bolas, cuscuvilhices de vizinhança, amantes sem morada.
A chave que desafiava a ranhura, derradeiro esforço antes da paz do chegar. Pesadelo de sufoco que agitava dois mundos, suor que brotava dos poros, no frio de Novembro.
Deu por si a descer as escadas. Cada passo a dizer não ao cinzento das paredes, não a todos os pés que desconheciam a sua história, não a todos os Novembros que lhe usurpavam e gelavam o Querer.
Viu-se a pisar a rua e fez-se Agosto. Centrou-se em cada passo e descobriu o amanhecer límpido e prazeiroso que lhe nascia das entranhas. Jogou a mão ao bolso e desconheceu: o jogo de chaves, as portas, as fechaduras, que lhe havia aprisionado o Calor.
Correu direito a todos os lados, desejou-se no verde fresco de erva molhada, na sombra de um cipreste…e correu… E reviu todo o sonho enquanto corria, e deixou a vontade levá-lo por onde o pesadelo não quis. E correu…correu ainda mais e mais rápido, para o mais longe que a imaginação inventou. E deixou para trás os tropeções da dúvida, os rituais de iniciático, as palavras pesadas de ordens impostas, os triunfos e as derrotas de quem não era ele, os compassos de músicas que nunca marcou… e no final mais longínquo de todos os fins…aquele que fica para lá da distância segura…parou.
Olhou-se parado, sem pés, sem pernas, sem canga.
Sentiu-se veloz como jamais se conhecera.
Fez-se roteiro, descobriu-se viagem.
Colou todos os favos adormecidos.
E partiu…………inteiro………com gosto de mel…….inalando perfumes inebriantes………

FODA-SE

É brasileiro e "filósofo" urbano. Não resisti a plagiar aqui um texto que já tinha lido há uns tempos e que depois se perdeu num disco reformatado. Obrigado a quem o "mailou". Sugiro um site onde se pode ler mais sobre o autor.
http://www.releituras.com/millor_bio.asp
O texto não é o original, em brasileiro, mas dá para ter uma ideia...se não gostas assim, "que se foda".
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O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me. "Não quer sair comigo?! Então, foda-se!" "Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! Então, foda-se!" O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"? "Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas comó caralho. O Sol está quente comó caralho. O universo é antigo comó caralho. Eu gosto do meu clube comó caralho. O gajo é parvo comó caralho.

Entendes? No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!". Nem o "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida. Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir Surfar na praia? Não percas tempo nem paciência. Solta logo um definitivo: "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!". O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai levar no olho do cu!"? Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!". Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás a conduzir bêbedo, sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"

Então: Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!

Millôr Fernandes