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Ida de regressos


Novembro tinha chegado e com ele a vontade de acender a lareira.
Riscou num fósforo comprido o desejo que o calor lhe inundasse a sala, iluminado pelas velas de tons quentes, subtilmente perfumados.
Envolveu as mãos na chávena de chá roubando-lhe num afago o calor apetecido.
Escorregou-se pelas almofadas a moldarem-se ao corpo numa empatia que sabia de cor.
E o ar invejoso a querer roubar-lhe o momento no evaporar do chá, que gostava quente e fumegante.
Os últimos dias foram como se tinha habituado no último ano, depois do divórcio legítimo, de duas décadas avarentas de sorriso, mais sofridos que o desejo da vontade. Roubou uma pausa ao tempo. O mar chamou-a e sempre obediente aos impulsos inquestionáveis, rumou a sul para a casa da praia. Uma sobra de passado que agora estava pela primeira vez a sentir sua, naquela chávena de chá, bebido na tranquilidade de um fogo aceso e velas, muitas velas de cheiro que só ela decidiu escolher.
Passeou os olhos por todos os detalhes daquela divisão, a sua preferida, relembrando o momento em que decorou cada pormenor. Sentia-se de novo ali noutro fragmento de espaço agora só seu. Provou sorrisos de memória e reflexão com todas as cores que o expectro lhe oferecia.
O passeio pelo tempo convidou o sono a entrar, devagarinho.
Acordou algumas horas depois com um abrir de olhos preguiçoso a provocar outro sorriso, este, triunfante. Um sonho dentro do sonho. Estava mesmo onde há muito precisava de estar. Consigo própria num lugar só seu.
A chuva tinha-a acordado, na lareira umas brasas tímidas pediam ajuda e eternidade, em sintonia com algumas velas. Levantou-se num pulo decidido a apetecer-lhe o sabor e cheiro de scones. E foi para a cozinha confeccionar o desejo.
Orgulhosa de outro momento só seu, levou um tabuleiro repleto de scones, compotas, chocolate quente e frutos secos para o alpendre. Pôs um gorro na cabeça, forrou a cadeira de bambu com um cobertor macio e enrolou-se nele deliciando-se com o lanche enquanto a chuva caía cada vez mais forte, invejosa daquele momento suculento.
Iria ficar por ali desafiando o tempo, sem pressa de voltar.

Chuva nova


Depois da borrasca de ontem as gotas tímidas desta manhã trouxeram-me nova "Utopia", disponível no aleatório. Um muster clip, muito mas muito bem produzido. Bato palminhas de pé ao video, à letra, à musica, ás vozes, ao arranjo... and so on.

Modo de usar: sem moderação mas tornando o momento utópicamente único carregando no link do título do post.

Lu de Lua

Esquecidas no fundo de um disco empoeirado debaixo de papeis que "um dia destes arquivo" reencontrei este mote das três primeiras linhas que me sugeriram o prolongamento nessa altura. A data é desimportante mas a Lua faseou-se mais de 30 vezes desde então. Soprei-lhe o pó com empenho e aí está ela de novo...actual. Abraçuuuu "brilhante" de Lu(a).


“Tenho fases como a Lua
Fases de andar escondida
Fases de vir para a rua”
De me ver em ti perdida

Redonda como um olhar
Brilhante em outro ser
Segura iluminando o mar
Sensual vontade do querer

Tem o outro lado da Lua
Outro Eu meu que me agrada
Quando sinto numa fase dela
Aquele brilhar vindo do nada

De ti quero sempre ter
Tudo que me quiseres dar
Passar depressa o não te ver
E desejar-te no voltar

Vem assim minha Lua
Quando iluminada sorris
Nas noites que te trazes nua
Iluminando-me perfis

"The Pursuit" - Jamie Cullum



Jamie com novo trabalho, "The Pursuit". Jazz, com muito experimentalismo sampler, salpicado com alguns ingredientes "coverizados" como o "Just one of those things" de Cole Porter ou este " Don't Stop The Music" de Rihanna com dedinho do rei da pop.
Músicos novos, também na idade. Não desgostei do CD, ao ouvir pela primeira vez... Vou ouvir a segunda ;).

"The (Right) Fall"



Ela "caíu" para um novo estilo... a voz continua planante e suave num experimentalismo variado, quase naif, pelas sonoridades globais. Gosteiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii e volto a ouvir... Esta e agora todas as outras com o CD fisicamente presente. "Quedo-me" ouvinte fiel.

Wither








"Open up open up
Don't struggle to relate
Lure it out
Help the memory escape
Still transparantness consumes me
And I feel like giving up"

Noites Lisboetas



Combinaram por telefone encontrar-se à porta dela. Um prédio pombalino com degraus de madeira restaurada, imaculadamente encerados. O corrimão em ferro forjado envernizado a mate incolor amparava-lhe o descer quando usava os compensados que lhe acrescentavam o resto da altura para o beijo equilibrado.
Ele chegou primeiro, como acontecia sempre. Pressionou o botão retro e polido da campainha…ela desceu. Ouvia-lhe os passos lentos compassados e seguros desde o bater da porta de quinto andar. A escada ecoava-lhe o chegar de forma apetecível e desejada de os ver de novo após tão grande ausência.
Ela tinha estado fora a preparar a colecção de inverno, em Milão. Ele de novo em missão no Iraque para um canal de informação inglês.
Há três meses que não se viam a não ser por vídeoconferência.
Ela pisava o último lance de escadas que ele conhecia de cor. Abriu a porta e ficou a olhá-la naquele descer. Nos últimos degraus deixaram olhos fixos um no outro enquanto os passos dela os aproximavam. Ambos esticaram os braços lentamente encaixando-se num gesto impetuoso. Depois num beijo leve de lábios.
Para não quebrarem a vontade de se sentirem juntos de novo, combinaram no inicio da relação, não falarem de nada durante o reencontro após uma ausência prolongada.
Conheciam o gosto de ambos em todos os cenários vividos.
A “Brasserie” da Alecrim era um dos restaurantes preferidos, calmo àquela hora a que costumavam jantar fora e tão próximo de casa dela. Onde quase sempre terminavam a noite.
Ele pediu bem passado, ela um seitan e espumante rosé para acompanhar. Ele um Romeira tinto. Continuaram a olhar-se alheios a tudo, revendo-se no desejo já vivido de voltarem a tocar-se ali por debaixo da mesa coberta com uma toalha branca a transbordar pano e margem de segurança ética.
Ela num vestido novo, largo e vermelho, escorrendo leve e amarrotado quase até aos joelhos, decotado a insinuar-lhe o peito.
Começaram pela salada de odor intenso a vinagrete, polvilhada com frutos secos. Ela, num movimento denunciado, continuava a olhá-lo. Era o convite para que ele, já descalço, posicionasse o pé no meio das pernas dela. O movimento lento ao tocá-la… provocou-lhe em menos de um minuto a intensidade suficiente para que os olhos denunciassem sem pestanejar aquele primeiro orgasmo para ele. Sempre de olhos fixos e mudos de palavras. brindaram ao primeiro dessa noite, esvaziando os copos num único gesto até à derradeira gota. com a mesma vontade e empenho que tinham sentido momentos antes.
Durante o resto do jantar permaneceram calados a invadir-se com o olhar. num jogo grandiosamente dominado por ambos.
Outro ritual fazia parte daquele reencontro. O ultimo copo era bebido, como o primeiro, de uma só vez.
Saíram do restaurante, trocando as mãos na cintura. Quando ela punha sapatos mais altos ele adorava colar-se, para lhe sentir ainda melhor o andar.
Perto da casa dela e já no regresso um concerto clássico de rua juntava várias centenas de pessoas. Encontraram um encosto de parede disponível ao fundo da plateia entre duas colunas das arcadas de uma loja.
O concerto recomeçou, ela fechou o olhos e deixou-se recuar até mais perto dele que de tão perto, lhe sentia o respirar na sua nuca. Um sopro de vento frio mas suave fez aninhar-se ainda mais.
A musica invadia toda a praça em crescendo... como ela, abraçando-o até onde a mãos chegavam. Sentiu as dele responderem a essa provocação tacteante.
Os bolsos do vestido não tinham fundo propositadamente. E ele sorriu ao sentir-lhe a pele convidativa das ancas na ponta dos seus dedos. Das contracções de ventre dela a cada poro estimulado.
Uma mulher ali mesmo ao lado apercebeu-se e olhou-a com um sorriso cúmplice.Ela voltou a fechar os olhos até se perder demorada e expectante na intensidade do próximo. Recostou a nuca no ombro dele e deixou-se levar pelo contraste daqueles dedos que sabia de cor, em crescendo até à apoteose do “coroado” estimulo final , de Mussorgsky, coro e sinos em sintonia com o que lhe vinha de dentro. Durou o tempo das palmas de toda a plateia que lhe abafaram o sussurro descontrolado.
Ficaram ambos na mesma posição até todos saírem da praça...sobravam ecos de concerto naquele desconcertante reencontro há muito desejado. A noite estava a começar...

Comfortably Numb


Os lábios dançam... envolvendo em pétalas de silêncio a tonalidade alaranjada de outro ocaso de Tejo...saboreando-a, num sorriso "confortavelmente entorpecido"