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Caminhos...


Passo largo e decidido, com o negro a pintar o corpo e o vento a moldar o cabelo…
Não sei de onde vem, não sei para onde vai, nem isso é importante nos momentos em que por lá passo cruzando-a… Ora num ora noutro sentido da estrada mais alta que fronteira a colina entre a água e a terra.
Vejo-a sempre a caminhar indiferente ao Sol ou tempestade…
Comecei por vê-la quando o calor tímido de Abril espreitava curioso por entre as nuvens… alguns dias depois quando a Primavera anunciava as andorinhas…de novo quando o Verão trazia buzinas e pessoas em fato de banho dentro de carros cheios de risos e impaciências de praia…mais tarde com a Lua a levantar-se mais cedo tornando mais preguiçosa a luz…
Vejo-a muitas vezes…tantas que já nem lembro…e deixei de contar…
Mas sempre que por lá passo …abrando o passo como que a provocar que apareça…
Umas vezes consigo…outras nem por isso. Se a vejo faz-me sorrir…se não sorrio também, porque sei que anda por ali…talvez até brinque ás escondidas com a minha vontade e ria baixinho atrás de uma pedra nua de preconceito cúmplice, vendo-me ao longe a troçar de mim…
Não lhe sei o nome, nem o que vejo me sugere seja o que for…porque hei-de dar-lhe um?
Não lhe conheço morada, acho até que ela só existe para mim… e o que vejo é apenas uma historia num filme imaginário?
Não sei sequer se fala e em que língua…mas também isso não tem nenhuma importância…ou terá?
Acho que a sinto e quero como uma arvore solitária e rara como as que existem por ali, lutando contra as vontades das estações, despreocupadas com a passividade dos amantes da estrada.
Não sei quem és, nem a cor dos teus olhos, nem de onde vens, nem em que dialecto te exprimes…mas quero ver-te sempre que por aí…assim mesmo de forma egoísta , porque me provocas o sorriso na vontade que o pensamento sugere…não fujas… nunca…

Cruzamentos no tempo


Numa encruzilhada sem tabuletas nem semáforos, olho em redor, tento ver de forma atenta o mais longe que os olhos permitem focando na opção infinito da retina.
Mas o nevoeiro é grande nos quatro pontos cardeais...
Não sopra uma brisa, não há árvores onde pousem os chirlreios matinais.
Um cão ouve-se ao fundo num latir abafado, o cheiro é de terra ainda humida após as chuvas da última noite.
O Sol mostra-se a medo a nascente...e adivinho-lhe os passos até se calar de novo por mais uma noite ali do outro lado.
Neste centro da calma, hoje não se passa nada...nem o sr. D me vem propor o pacto eterno em troca da alma.

Espirros



Chegámos de novo à época do espirro… não que seja uma norma, mas a verdade é que na mudança de estação o espirro vem quase sempre por acréscimo, e aumenta o negócio do lençinho de papel, dos pingos para o nariz, do soro fisiológico e de todos os acessórios mais ou menos hightec do espirro.
Torna-se frequente o espirro nos transportes públicos a que ninguém pode fugir das consequências tantas vezes molhadas e maioritáriamente também sempre muito perfumadas, nas repartições de finanças em que nunca se sabe muito bem de onde vem mesmo seguindo o som e que deteriora formulários alterando os rendimentos e a possibilidade de coimas por falsas declarações, o espirro ao volante em que dava um jeitaço a muitos ter as escovas do lado de dentro, os espirros do vizinho durante a noite que atravessam paredes e nos entopem o sono, o espirro que se nos chega sem avisar no meio de uma reunião em que nos dá vontade de sermos operados a uma merda qualquer que nos resolva o problema para não termos que espirrar mais, o espirro do dentista que nalguns felizmente os fazem virar a cabeça para o lado mas desleixam a broca e lá se solta mais um saltinho no agarrar com mais força os braços da cadeira deteriorando o material.Lembro-me de ser chavalito e ir a um dentista ali perto da casa dos bicos no jardim das cebolas…que raio de sitio para ter um consultório…o mobiliário era novinho, cor de rosa quase choque e assim se manteve durante os anos que por lá passei para tratar dos dentinhos de leite e assegurar os futuros, que não tiveram um futuro propriamente risonho mas isso é outra história…mas então o senhor doutor enquanto me tirava dentes e fazia o que hoje se chamaria um checkup, ia assobiando e operando o meu esmalte como se nada fosse, e sem máscara nem nada…eu apesar de pequenino de ideia e idade sempre achei que estar e levar com o bafo assobiante do homem, misturado com fados e nacional cançonetismo não estava com nada e acredito que se a DECO já existisse o livro de reclamações não seria propriamente virgem, mas felizmente nunca me lembro de ele me ter espirrado para cima. Nessa altura lembro-me que havia um de dois prazeres que me seduziam e que exagerava até me deixarem. Um dos rituais dessas visitas era o acender daquela luz de dentista, o baixar do braço basculante e o apontar…aquilo sim era um momento inesquecível talvez pela temperatura da luz…lembro-me que uma vez que ele se ausentou por momentos para atender um telefonema eu acendi e apaguei aquilo as vezes que o tempo e a margem de segurança para me voltar a sentar sem risco que se percebesse deixou…acho que talvez tenha sido o meu primeiro fetiche…depois o outro era o pegar num copo de porcelana depois de carregar num botão em borracha deixar a água encher quase até transbordar e depois bochechar, bochechar bochechar até a assistente anafada e de óculos com corrente dourada pendurada, que me fizeram pensar se ela teria medo que alguém os roubasse... “Pronto já chega menino”, e cuspir a água para a bacia também de porcelana sempre com água a correr durante o bochecho…era um prazer porque cuspir era falta de etiqueta era proibido pela boa educação imposta e aquilo libertava-me assim de forma inigualável e não havia stress que entrasse por ali dentro.
Ahhh e havia mais, o poder comer um gelado depois do dentista…esse era outro dos momentos que adorava depois da repetitiva frase do senhor doutor no final de caa consulta: “ Muito bem o menino portou-se aí como um general, hoje tem direito a gelado"…
Mas voltemos ao espirro. Temos os espirros tenores, sopranos, contra altos, e para todos os gostos. Um dia se tentares analisar os espirros de todos os espirantes das redondezas, vais ter uma vontade enorme de te rir. Eu gosto particularmente dos múltiplos…daqueles que quando começam a sair se topa logo que aquela pessoa vai ter graves problemas nos próximos momentos…lembro-me de alguém que cada vez que espirrava o fazia 17 vezes…era uma delícia imaginar em câmara lenta o chegar do espirro o inspirar na preparação do espirrar e o espirro propriamente dito, assim incontrolável. Os espirros prolongados tipo atchimmmmmmmmmmmm, os precoces mais conhecidos por meio espirro, os silenciosos e tímidos como uma convulsão, os fininhos em que nunca se percebe bem se quem os dá espirra ou diz que sim a qualquer coisa, os sonoros que se ouvem nos trezentos metros quadrados circundantes e em que são continuados com o acto de tirar o lenço do bolso de trás das calças para um assoar dos restos que ficam nas redondezas. O espirro gago, A A A A AAAtchimmmm. Tantos espirros que nunca mais saia daqui e ainda me constipava.

Agora que este blog tem áudio desafio-te a espirrares e a gravares todos os espirros do agregado familiar e amigos para um microfone e me enviares esses sons para eu fazer um best of do espirro português. Fico à espera, com a promessa de assim que o numero justificar, fazer um ficheiro de todos os que receber para quem os quiser ouvir.

embloglio@free.fr

Santinho…