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Holandês Vicentino



O Sol nascia preguiçoso por detrás do pinhal desordenado da costa alentejana com o Mira a rasgar-lhe a praia.
A humidade nocturna a desvanecer-se no ar e na areia. As primeiras pegadas, dos veraneantes madrugadores, até ao espaço ocupado de costas para o mar.
Gosto da vista do cimo da falésia e da areia, que a geada molhou, a colar-se-me aos pés.
A água a esverdiar-se a cada novo grau de nascente. Aqueles odores de manhã que nenhuma parede de cimento cheirou.
O silêncio, de ondas suaves empurrando pedrinhas de beira-mar e areia, de aves marítimas, de canaviais vizinhos, de… outros silêncios ouvidos.
Depois da última duna… o mar perdeu o interesse do olhar primeiro, fugindo para o fundo do areal. Na irregularidade da pequena falésia amostras de cascatas sazonais desenhavam cursos de flora a cada descer. Sem vestígios de pegadas, sem lixo perdido, sem traços recentes de espaço ocupado…como se aquele estacionamento imprevisto lhe fora destinado por Nemo.
Aproximei-me, descendo por um carreiro de areia, estreito e esquecido, entre sebes e rochas. E ele ali, roubado ao mar… ou trazido durante a borrasca para um pedestal arenoso. Pintado a ferrugem pelas demãos dos anos. E do tempo que lhe roubou a alma de cores e memória mareante. Desistiu do oceano, ao astear o hélice na areia à espera que a última onda de inverno o misturasse com a desvontade de se sentir vivo...

Era um rebocador holandês, contou-me um pescador da praia seguinte: “Foi aí por 96. O mar partia muito”.
A máquina parou e o vento noroeste acabou por empurrá-lo para a costa rochosa e traiçoeira.
Os quatro tripulantes foram salvos. Ele não…