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Ventos



Sexta-feira quase a morrer no calendário. Degraus servem de banco. Poste, parede e corrimão dão encosto a quem o tempo vai tirando o equilíbrio. No meio de risos, olhares, seduções, vozes em uníssono ou um duo de trovadores de fim de semana, lá do alto Camões vê o chão pegajoso de muita cerveja entornada e outros usos de noite lisboeta. Os carros passam iluminados de som, os passeios usam-se pelos saltos altos pintados de noite. Este canto alto da cidade padece de insónias e overdose de gente.
No quiosque dos sóbrios, mesmo ali ao lado também ninguém se importa com as folhas de jornal que o vento traz. Ficam restos de capilés, groselhas e licores em copos bebidos e esquecidos que a chuva miúda ajuda a borrifar.
Agora em sopro de tímido, uma folha de jornal esvoaça para uma grelha de pulmão de estacionamento: “MORREU O REI DA POP”.
Sabendo que só eu e ele tínhamos reparado no surrealismo do cenário... piscou-me o olho possível de piscar e do alto daquela praça sua, sussurrou às musas, olhando o Tejo, em jeito propemptikoniano.

“Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição”

Diablo Rojo



Olhou para a esquerda e direita 4 vezes. Atavessou apressada na passadeira como se o tempo lhe fosse breve na caminhada diária até ao outro lado da cidade. Parou em frente do restaurante, fechado naquela hora matinal. Aproximou o olhar da ementa colada na porta num gesto de tique de leitura de cima abaixo. Retomou o passo lesto e empenhado no chegar, à próxima ementa.
De outras vezes vi-a numa paragem de autocarro.Sentada na pontinha do banco, pernas juntas, postura direita, mochila pequena,mãos, de tez morena, cruzadas sobre os joelhos e afastada do contacto com o mundo estranho daqueles com que tinha de partilhar aquele poiso comum. Um após outro que chegava e partia, indiferentes a uma pretensa passageira de paragem.. Entravam e saíam pessoas de camionetas usadas e poluentes, mas ela lá continuava até o desígnio do seu querer. Olhava um ponto fixo no meio de quem passava. Talvez secreto, talvez abandonado numa qualquer cor ou lugar do seu quimérico olhar.
Vestia sempre cores a destoar com cada estação. Vivas no inverno, escuras no verão, reservando-se o direito à desavença com o tempo. Ou apenas porque os seus olhos eram diferentes a ler ementas de restaurante e as tendências do ( seu ) tempo.
Durante o nosso dia desmedido de relógio de pulso, ela contrariava-lhe as horas e os compassos, numa arrogância indiferente e troçista.
E hoje voltei a vê-la. Tunica vermelha, ténis vermelhos, cabelo apanhado em duas partes de tranças de menina. Talvez afinal o calor não lhe fosse tão indiferente assim. Sentada no muro da igreja com os olhos presos à porta aberta, fazendo fronteira entre o sol tórrido e a sombra de confessionário, no mesmo olhar de paragem de autocarro. Parei e fiquei, sem pressa, a vê-la assim meio apartado e escondido.
Ora se voltava para o lado oposto no sentido do altar e a porta, ora à posição inicial. Repetiu-se umas 3 vezes a intervalos comedidos. Saltou do muro num pulinho alegre, tirou uma maçã vermelha da mochila, deu a pimeira dentada decidida e retomou o passo, desaparecendo na esquina.
Seremos nós, os de relógio de pulso, quem não sabe viver o tempo com a despreocupação do próximo segundo?
Apeteceu-me, mas fiquei no sortilégio estático de, ir atrás dela e pedir-lhe uma dentada daquela maçã intemporal...

Devota

Hoje, dia de voto, a rua acordou silenciosa. Menos carros, mais gente a caminhar de forma discreta e poucas conversas de esquina.
Esperava ansiosamente pelas Europeias 09 para completar a teoria, de que em dias de procissão e voto, o nivel sonoro é estranhamente reduzido.
Não há buzinas, nem demonstrações de décibéis em tuners de corres vivas, não há aquele barulho característico de rua movimentada por quem passa, como se a querer deixar a marca ao passar, no passeio dos famosos de rua banal.

Ele, de traje descontraído vai uns passos mais à frente da esposa, de penteado cuidado e roupa ainda a denunciar naftalina e mala acordada ao vegetal. Ele sai todos os dias, ela não. Ela, mesmo que uns passos mais atrás tem orgulho nesse passear com o seu homem mesmo àquela distância, mesmo que apenas para ir ao fundo da rua direita para votar, num ir eternamente curto, de tão agradávelmente invulgar que se tornou.
E ele, sorridente, fala aos amigos por quem passa e ela espera uns passos mais à frente. O momento mais próximo em que estão juntos na saída de dever cívico, é na fila da mesa de voto, se a afluência de votantes promover esse restício de tempo a dois. De olhares descruzados, mas próximos.
E votam...ele primeiro...ela depois...e ele sai....e ela sai acelerando o passo para não o perder na caminhada lenta.
Ela fala a uma conhecida e ele continua o caminhar de mãos atrás das costas, sedento que chegar a todo o lado que não aquele. Ela despede-se a correr e retoma-lhe o rasto na última calçada até casa.
Chegam, no mesmo silêncio em que partiram. Ela tira o casaco e de forma cuidada pendura-o no cabide da esperança, de voltarem ainda a sair. Veste o bibe, serve-lhe o almoço na mesa da cozinha enquanto ele pousa o jornal desportivo na cadeira de ninguém.
A conversa resume-se a temas gastronómicos próximos, deixando os talheres travarem diálogos repetidos e tão desinteressadamente atraentes.
Ela olha-o depois da derradeira colher de arroz doce esperando que diga algo diferente de:
- Vou ao café. Até logo.
A cadeira dele continua o diálogo previsível e arrastado, a porta da rua termina-o em ponto final.
Na cozinha a água passeia-se por pratos, talheres e panelas.
No regresso ao silêncio, ela vai ao quarto...despe a roupa e a fé de outra saída adiada...até ás proximas eleições.
Abre a janela, tira o canário do prego e põe a gaiola na cozinha.
Dá de beber ás plantas e recebe o sorriso florido de hoje. Liga o rádio da sala, apoia-se na almofada para os cotovelos no parapeito da janela grande e fica a ver quem passa, desejando noutro sorriso escondido, ser demoradamente levada pela mão...só até ao fim da rua.

Parágrafozinhos...inhos

Chegou a época balnear. As praias já estão vigiadas e cheias de alunos grandes de vestuário reduzido e pequeninos de chapéus coloridos. 226 praias ou zonas balnerares têem este ano a bandeira azul (mais 33 que em 2008). Sò não consigo entender como é que a tabaqueira é um dos apoios do projecto, bem como a vodafone na vertente praia saudável. Para o ano teremos a wiskas a patrocinar a máxima “ Venha á praia e traga o seu animal consigo”... ou mais interessante ainda...”Venha à praia e traga o animal que há em si”?

A campanha das europeias não fica atrás da tendência de calendário e sobe, sobe, sobe qual balão da Manuela, mas descalça formosa e tão nada segura.
375 milhões de vizinhos europeus podem votar para eleger 736 eurodeputados. Por cá o burguinho elege 22.
Figo deu a cara pelo voto. Cristiano disse que não ao voto recusando participar na campanha ao dever cívico europeu...e inverto-lhe o meu polegar. Votemos.

Os profissionais da PSP tem agora uma nova escolha associativa. Foi criada a associação gay daquele corpo policial. Os 3 fundadores dizem que foi criada de forma a sensibilizar os polícias para a descriminação de que são alvo. Fiquei sem perceber a notícia, talvez por a ter ouvido ao acordar e ainda rameloso. Mas se a memória a esta hora da manhã não me traí, penso que uma associação necessita de mais de 3 elementos para ser criada...creio. Chamem a polícia uou uou uou...

Azeite para barrar. È mesmo isso... vai saber a azeite cheirar a azeite vai manter todas as propriedades do azeite. Ainda este ano na mercearia da esquina.
Espero que seja um produto de patente registada e com espectativas optimistas de exportação.
“Mãããããããããeeeeeeeeeeeee quero uma carcaça com azeite e marmelada”

O aspirador redondinho e espertinho é carinho, custa o ordenado mínimo mais ¼.
Anda pela casa toda aspira o mais pequenininho dos pelinhos escondidinho debaixo de um sofázinho desde que não esteja num cantinho assim muito chegadinho ao ângulozinho.
Também serve para tirar o stress ao gato que farto de o tentar fintar o torna montada durante a tarefa. As fadas do lar vão adorar. E os eles delas também.

A crise chegou à monarquia. A rainha Sofia viajou numa companhia de baixo custo.
Bebeu um chá gelado e comeu uma sandes durante a viagem. Um dia destes a EasyJet cria uma classe ainda mais económica nos aviões. Poderá ser no andar de baixo junto ás malas , em que os passageiros pedalam para reduzir o consumo dos reactores. Uma iniciativa que poderá ter a cara da nossa Vanessa ou do Armstrong vestido de cor de rosa.

Vou ali, mas volto.