Páginas

Janela



Uma janela, de sala de espera de consultório, virada para a rua. Um bairro modesto de calçada antiga, lojas pequenas e mercearias com fruta reluzente e cuidadosamente empilhada, prontinha para se trincar.
Cãezinhos pela trela e tertúlias de ocasião a darem o toque final a um cenário cada vez mais raro do calendário XXI, onde ainda se vêm frequentadores de praças municipais onde o tempo parece ter mais horas que nos centros comerciais.
Um homem, idade avançada, passo ligeiro, cumprimenta com um levantar de chapéu em quase vénia uma conhecida ficando os dois ali a falar alegremente a julgar pelos sorrisos. Despede-se com o mesmo gesto delicado e cavalheiresco. Uns metros mais à frente repete o gesto para outra senhora esta de mais idade. Ajuda depois uma mãe a desdobrar o carrinho de bébé. E antes de dobrar, desta vez, a esquina, até quase me fazer esborrachar o nariz no vidro para acompanhar aquela fatia da sua caminhada matinal, ainda o vi apanhar algo do chão e entregar à senhora que pendurava os jornais na porta da papelaria.

Apetece-me um dia, uma vila em que o tempo passe assim com aquela pressa vagarosa onde o vento tenha preguiça de soprar, onde o sol se demore mais a cada dia e o silêncio se retrate nas casas brancas de piso térreo com telhados de barro antigo.

Alguém abriu a janela e deixou que o som da rua me apagasse a imagem da vila branca. Olhei para o relogio digital, mesmo ao lado de um plasma enorme que prendia a atenção dos “esperantes”numa das paredes da sala e vi que afinal o tempo avançava da mesma maneira.
Uma voz suave e simpática repetiu-me o nome e segui-a para outro cenário.

0 comentários: