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Equilíbrio ébrio


Quando se conduz, melhor dizendo quando conduzo, só os olhos e as mãos me conduzem. Desentendi-me desde cedo, creio mesmo que ainda na idade "90",  no meu "dentro filosófico" com quem não sente a estrada a ponto de deixar a rota pneumática, sair do eixo ideal, corrigindo-a em golpes quase marciais. E gosto que me conduzam se sinto reciproco nesse estado... e a expressão provoca-me abrandar... sem stop obrigatório... a não ser o de me dar conta talvez do sinal acomodante, de primeiro sintoma conformista, notado, o primeiro passo testemunha, de condutor a caminho de pendura.
Começo a gostar a cada dia de me sentir conduzido, de me sentar do lado direito e de forma egoísta mas assumida me deixar levar por cada múltiplo momento preliminar em  filme de viagem, seja perto, ou no longe quilométrico.


Numa estrada de verão aonde dificilmente voltarei, passou-se-me numa fracção de momento, dos tais em que adoraria estar do lado direito, para absorver todo o cenário merecido:
Estrada secundária, talvez a primeira com direito a inauguração protocolar, tesoura, fita, presidente da junta, foguetes e fanfarra no primeiro sinal visível da chegada do alcatrão... que as décadas ajudaram a tornar grisalho e cariado: 
A passos curtos gesticulando-se com a vida entre mãos, tentando vencê-la no equilíbrio derrotado ao primeiro copo, avançava acompanhado pelas palavras ou talvez parte delas que se soltavam dos lábios a cada outro pisar de terra naquela berma incerta. Camisa desfraldada, marca de sol e camisola cavada, cabelo escuro despenteadamente suado noutra tarde quente de taberna de aldeia, onde se procura num canto de sombra tinta. O vento fugiu-se-lhe há muito para longe, talvez feito passageiro clandestino numa viagem de ida em sonho emigrante. E ele naquela batalha ébria de fugir-se para casa, a caminho do jantar que o instinto também sabia de cor e a direcção interior sempre apontava. Pela ausência de casas num par de quilómetros, não estaria próximo.
E cruzámo-nos a velocidades diferentes...
Os metros chegaram a mil, mais à frente na estrada...e lá estava ela, a taberna supermercado que também vende gás e sonhos esquecimento de motes variados à la carte. Debaixo de uma amostra de alpendre de telhas velhas estava uma fatia de tronco de árvore e uma mesa de madeira resistente...era ali que ele se sentava...tive a certeza.
E revejo-o na imagem de mil metros atrás, pelo espelho retrovisor que nos via afastar. Ele de costas, a parar-se de passos em equilíbrio descontrolado e levantar no braço esquerdo o peso da mão caída, como a desejar-me boa viagem... para ele perigosamente incerta... a dele, próxima ...e seguramente controlada.

  


2 comentários:

Anónimo disse...

Ol´´a Mika!
(desculpa n~~ao ter acentos, o computador esta com problema).

adoro a forma como tu olhas o mundo, as pessoas como consegues ver para alem de...

e de como es brando quando falas de outros que se cruzam no teu caminho.

a sensibidade esta no teu olhar e que depois nos passas para palavras.

um beijinho.

vonnynh@ disse...

... outra vez sorri ao digerir o teu modo descritivo peculiar :)) o acesso ao cenário é fácil e gostoso ... expressão fixe.
- o que expressa ?? 2x sorrio e para mim guardo ^^