Páginas

Ventos



Sexta-feira quase a morrer no calendário. Degraus servem de banco. Poste, parede e corrimão dão encosto a quem o tempo vai tirando o equilíbrio. No meio de risos, olhares, seduções, vozes em uníssono ou um duo de trovadores de fim de semana, lá do alto Camões vê o chão pegajoso de muita cerveja entornada e outros usos de noite lisboeta. Os carros passam iluminados de som, os passeios usam-se pelos saltos altos pintados de noite. Este canto alto da cidade padece de insónias e overdose de gente.
No quiosque dos sóbrios, mesmo ali ao lado também ninguém se importa com as folhas de jornal que o vento traz. Ficam restos de capilés, groselhas e licores em copos bebidos e esquecidos que a chuva miúda ajuda a borrifar.
Agora em sopro de tímido, uma folha de jornal esvoaça para uma grelha de pulmão de estacionamento: “MORREU O REI DA POP”.
Sabendo que só eu e ele tínhamos reparado no surrealismo do cenário... piscou-me o olho possível de piscar e do alto daquela praça sua, sussurrou às musas, olhando o Tejo, em jeito propemptikoniano.

“Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição”

2 comentários:

Anónimo disse...

Então? Não se escreve mais?
Duvido que quem escreve assim lhe falte a inspiração, portanto, vá lá e delicie os leitores.
Está excelente a descrição "Este canto alto da cidade padece de insónias e overdose de gente".
Para outro olhar e outro vento deixo o convite para um passeio num domingo à tarde.

Maria disse...

Sempre atento aos detalhes em pensamentos que voam para alem do aqui e agora, que viaja muito além do comum olhar... a tua narrativa tem alma de artista!
Gostei!
Beijos