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Gesto Marginal

A manhã era de azul Abril e contrariava o ditado popular. O acordeão poluente tirava toda a graça ao cenário. Ao volante os condutores usavam óculos. Algumas condutoras aproveitavam o pára arranca suave para actualizar a cosmética. As roupas clarearam com o tempo, eles sem casaco e elas mais vaporosas.. O Verão está quase aí.
Dois carros mais á frente uma outra condutora também adepta do retoque cosmético, travou de repente um pouco mais à frente querendo passar para a faixa da esquerda sem motivo aparente. Despreocupadamente alheia á impaciência de quem buzinava como se o apitar fosse uma dependência obrigatória. Mas ela esperou que houvesse espaço para mudar de mão e mudou com o espaço que lhe dei. Reparei que não quis passar por cima de um felino de pelo cinzento claro e malhado em tons de branco que jazia ali mesmo na faixa direita da marginal. Parou uns metros mais adiante e pelo retrovisor percebi que tinha saído do carro, retirado o felino para o deixar entre os arbustos da berma.
Curiosamente quem tinha apitado desmesuradamente, ao passar, tinha remetido ao silêncio a buzina impulsivamente sensível a qualquer anormalidade da fuidez automóvel.
A humildade com que ela decidiu retirar o felino da estrada calou todos os apressados matinais.
O gesto da condutora deu-me que pensar... quantos o fariam ali? decidindo rápido o incómodo de sair do carro, sujar as mãos com um animal que nunca viram, com a agravante de perder preciosos lugares no tráfego.
Envergonhado, com aquela lição silenciosa, retomei a condução.

2 comentários:

Maria Oliveira disse...

São estes pequenos, grandes gestos que comprovam que afinal ainda permanecemos humanos nesta selva de sociedade em que vivemos!

By myself disse...

Felizmente ainda há humanos entre nós.

Bjs