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Passos parados


Há dias. Ou serão apenas segundos?...em que a janela de parapeito largo se vem apoiar nos cotovelos.
E lá vem ele, de pés abertos, passo curto e lento a subir a rua de calçada descalça de tanto lhe andarem por cima. Mãos atrás das costas vendo tudo o que o olhar sugere. Cada carro que passa, cada janela com gente, cada canto de rua, cada lado do nada dos outros.
E avança e olha o muro que foi pintado de fresco, e toca com o cuidado da curiosidade, impossível de conter. E avança mais uns metros.
Os laranjas de uma árvore de quintal que se desprendem dos ramos para morrer no chão. E olha o chão, as laranjas, a árvore, o pardal que chilreia escondido a rir-se de não o verem.
Parado interrompendo as mãos cruzadas atrás das costas por uma comichão no nariz e outro ajeitar os óculos. E mais uns passos. E encosta-se à parede talvez descansando os olhos ofegantes.
Uma mulher desce a rua ao som dos saltos agudos de som. E ele olha. Primeiro o saltos depois as pernas em tonalidade encalorada, até ao rabo, que o faz seguir aquele balanço tornando-lhe o dia ainda mais quente. Faz aquele gesto do léxico masculino, de significado e coçar incertos. Será falta de vocabulário interior? E olha de novo até ao fim do ver.
E a carrinha do gás faz uma travagem mais brusca e as bilhas encostam-se umas às outras e ao olhar dele preso a meio passo da esquina.
E o pintor que pinta a porta por cima de quem a pintou de letras durante a noite e o faz de novo parar.
E as pessoas da paragem de autocarro, como revista à parada.
E a fruta exposta no lugar da esquina.
E desaparece. E aparece de novo. Decidiu voltar a atravessar na passadeira para desaparecer do outro lado.
Uma buzina insistente fez-lhe parar o passo, decerto.

1 comentários:

S L Sousa Mendes disse...

Vivências... Gostei!