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Madrugada



Acordei com uma banda a passar tocando cravos em notas de fanfarra, como em todos os outros anos, comemorando uma madrugada distante, apenas no tempo.
Não me lembro da última vez que estive na manif de punho levantado. Mas lembro-me de quem não se deixou obrigar a impedir o gesto .
Não me importo que a história contada se deturpe de boca em boca até se pintar de sentido diferente a cada ritmo do saber ignorante. Mas gosto de saber que o caminho se iniciou muito lá atrás por gente com vontade de mudança.
Não aponto o dedo a quem se desilude e diz à boca alta, porque ouviu dizer, que o antes devia voltar a ser hoje. Mas quem sente que conta, importa-se, nem que seja participando em cruz no momento certo.
Não tenho vontade de sorrir quando na minha memória ainda entra gente que entrava sem convite e batia depois. Mas ofereço o sorriso a quem tornou esse tempo apenas memória.
Não saberei nunca quantos foram. Mas lembro-me que eram todos os que lá estavam, mais os outros que não quiseram estar e outros ainda que apressadamente voltaram costas.
Hoje, há quem ainda esteja, os que estão sem estar, os outros que nunca estarão e os últimos que não sabem sequer quem são.
Neste dia e noutros momentos de tempo, sinto a Primavera no cheiro do cravo vermelho nascido de madrugada.
A todos os que caíram durante a vontade de me/nos permitir também e sem receio esse gesto pleno de intenção, ergo o punho fechado em sorriso aberto.


(25 de Abril 2011)

2 comentários:

Paula Monteiro disse...

Gostei!!!

Anónimo disse...

Abril trouxe-te em sorriso aberto,em Primavera de cravos e papoilas...soltaste o pensamento e as palavras renasceram em ti.
Gosto delas,avivam memórias curtas, deturpadas pelo tempo.
É sempre bom ler-te e sentir que braços cruzados em ti, não!
Gosto de sentir que há um dia em Abril que não desaparecerá porque há memórias que perdurarão para além do tempo.
Junto o meu sorriso ao teu e a muitos outros e toco horizontes não distantes, de esperança e certeza de dias que quero melhores.
Bj