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...E assim, de repente, passaram vinte anos.


O tempo que ficou atrás das costas parece ter passado mais depressa que este do presente recente. Se todo o tempo falasse sobre o tempo que demora a passar talvez as memórias não tivessem razão de existir.

O Sol ainda se escondia tímido atrás dos prédios e o dia começava como todos os outros, não fosse algum cheiro a incêndio e um ou outro pequeno pedaço de papel a esvoaçar. A curiosidade levou-me a seguir um até o apanhar. Apercebi-me que era um resto de factura queimada quase por completo.
Os carros estavam ligeiramente cobertos por cinza fina.
A caminho de Lisboa vi o fumo e pela rádio fiquei a saber que o Chiado ardia.
Relembro o antes do fogo e o que vivi nesse dia em que não resisti a piorar esse sentimento de perder uma referência de infância, de adolescente e de adulto, ao ir ao local do fogo.
Acho que em todas as memórias temos um cantinho do velho Chiado.
Lisboa nunca mais foi sombria naquela zona... o charme dos edifícios sujos, os pedintes nas calçadas, os carteiristas da baixa, os pregões que ainda relembro, as senhoras a escorregar num ou noutra calçada menos aderente, Valentim de Carvalho, a Custodio Cardoso Pereira, o cheiro a pano dos armazens Grandels, tudo ficou só mesmo na memória que visito sempre que me apetece.
Este Chiado é fresco, é novinho, é simpático, até colorido, mas sem história. Terá outros prós que outro tempo tornou prioridade.

...E assim, de repente, passaram vinte anos.

3 comentários:

Anónimo disse...

sim senhor
gostei do teu cantinho

20 anos??? lembro-me perfeitamente do dia, fui para lisboa para tirar fotos (um dos meus hobbies) e os bombeiros não me deixaram aproximar mas, consegui bons angulos

- telefonemas enganados ... tu atendes.... hehehe

jocas

Anónimo disse...

Mika, gostei muito do teu texto sobre o Chiado!
Mostras bastante talento como escritor e uma sensibilidade poética bastante vincada! Continua!

Eu também adoro o Chiado!Foi lá que vivi, nos anos 50, momentos de fantasia inesquecíveis...
é lá que se encontra a minha rua, a Rua do Carmo!
Aqui em Paris, um dia, também haverá a minha rua!
Vai ser, não a rua do Carmo, mas sim a Rua do Chiado!
Aqui, anda por aí tanto cabrão que o que mais gostam é de "chiar" sobre a minha pobre pessoa.
Cuidado, disse pessoa, não Pessoa!
Tu, que conheces o francês, certamente também sabes conjugar o verbo "chiar" Ils me chient tous dessu! J'en ai marre!

Rogério

By myself disse...

Mesmo não tendo vivido em Lisboa, o Chiado era-me querido por ser uma das zonas da cidade preferidas da minha mãe. Lembro-me de estar de viagem para o alentejo e ter ouvido a terrível notícia na rádio. Não imaginava as proporções. Mesmo assim, gosto de passear por lá a caminho da Brasileira.

Beijinhos