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Sai uma bica

Ficar sem perceber , uma conversa, um comentário, um olhar cúmplice, é assim para o inconfortável…diria mesmo que é como um espirro que acaba por não sair…
Quantas vezes já o comum dos mortais ouviu, não percebeu, … mas fez aquele sorrisinho estúpido do pseudo esperto topa tudo de nariz levantado. Pois é, mas depois por dentro ficamos a roer-nos todos…ou não é?
Por isso mesmo hoje fiquei a perceber, o que há quase um ano me atormentava a perspicácia, quase cavalgante para a senilidade. Um sintoma flagrante de uma PDI precoce. Mas não queiras saber como me soube bem o discreto respirar fundo.
Numa cafetaria simpática da zona, que por sinal não tem cadeiras nem mesas, as pessoas levam em média uns 5 minutinhos, para pedir, consumir e ir à vidinha que se faz tarde.
O sr. Zé, homem baixo e de trato afável, começou com o negócio há pelo menos umas três década, fora os ameaços. Era eu puto e ía com o meu avô levar bolinhos caseiros que ajudavam a equilibrar o orçamento familiar. Eram as delícias dos gulosos clientes. Lembro-me do local ser assim como uma leitaria, mas onde se vendia queijo, enchidos, farinhas, massas, azeites, sombrinhas de chocolate e bens de primeira necessidade alimentar tudo sempre muito bem apresentado e arrumado como um puzzle na vitrine frigorifica, que nunca percebi como é que lá tinha entrado…eu e os puzzles…. Ali confluía a terceira idade local para o galão matinal, os tais bolinhos e o chá das cinco, mas…na altura havia três ou quatro mesinhas e as respectivas cadeirinhas. O negócio foi crescendo e o Sr. Zé comprou a loja do lado, depois a outra, e a outra e a outra e as traseiras de todas elas. Os balcões multiplicaram-se, o comércio prosperou, e hoje o Sr. Zé se fosse candidato de qualquer coisa teria futuro político.
Hoje no então espaço da antiga leitaria está uma vitrine frigorifica, mais moderna claro…a outra já não está lá, mas se calhar é porque a porta já é maior que antigamente.
E nesse espaço está apenas uma parte do balcão actual onde em pé cabem umas 20 pessoas. Na outra loja o negócio é também alimentar, mas de almocinhos em pé (claro) com comida super caseira, a consumir no local ou para fora, e padaria e pastelaria de fabrico próprio. Bolinhos de aniversário, bombons e drops e outras cenas que fazem a delícia dos olhares assediados de quem passa. Depois há ainda uma papelaria, tabacaria e afins.
Uma loja de jogos de sorte e azar, com a bênção da Santa Casa e dos SMAS e EDP onde os atrasados pagadores podem tirar o peso da consciência. Ahhhhhh…e ainda num quarteirão mais a baixo um clube de vídeo. O filho que entretanto tirou medicina à custa dos enchidos e afins, abriu uma clínica do outro lado da rua…porque o negócio do lado par é mais para o da restauração.
Voltando à história…o Sr. Zé deve empregar hoje umas vinte pessoas, o que é óptimo porque quando tomam o pequeno almoço o balcão é só deles. E eles são dos mais variados tipos, o Francisco é o braço direito do Sr. Zé, também simpático e conhecedor de todos os cantos da casa, mas depois há brasileiros, brasileiras, portuguesas, portugueses, uma russa, e mais não sei porque aquilo é para mim um momento de pequeno almoço, não vou lá para falar com as vizinhas nem para fazer sala.
E hoje…ouvi de novo…e percebiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
Quando a brasileira disse:
- Não tém hávido pasteú dji bácálháu. ( até aqui nada de novo)…
Mas a colega que normalmente serve o sector nascente do balcão, e que quando vou a entrar já está com a mão na máquina do sumo de laranja, se descaiu…ou sou eu que estou a ficar mais inteligente…
- Não sabes? Foi visitar a filha ao Porto ( yesssssssssssssssssssss)
O puzzle ficou ali mesmo todo montado. A equipa dos simpáticos pupilos do Sr.Zé têm um código alcunha para os clientes habituais…
Nos outros 3 minutos de presença no local apanhei algumas…
Bola de Berlim, Amarguinho (só pode ser um gajo que emborca amêndoa amarga), Chapata, Fofinho sem Manteiga (fofinho é um pão, fofo claro), Limonete…
Em 3 minutos…é obra.. um dia destes vou tornar-me detective…
Achei o máximo…eu que até já tenho nomes a mais, ficar a saber que se calhar me chamam Laranja e tarte de amêndoa…acho que agora os vou baralhar e começar a pedir outra coisa.
O método é fantástico para associar ao cliente àquilo que ele pede…e depois dizerem com aquele ar de orgulho profissional:
- Olá bom dia como está? É o habitual não é? Sirvo já.
Saí tosta mista, queijo magro, em pão integral sem manteiga.

Devia ter sangue azul esta,… pensei, ao sair da leitaria, com um sorriso egocêntrico.

1 comentários:

Anónimo disse...

Sai um belo post para esta mesa, fáxavor.

Gostei muito, parabéns. É bom saber que há vida para lá do EC ;-)

Ibidem