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Rabiscos de final de tarde




A caneta tinha pó. Daquele que aparece, nunca entendo de onde. Estava por baixo de um dos bancos do carro. Tinham-ma dado há não sei quantos anos. Tantos que a tinha esquecido. Até que nem sou perito em perder canetas. O "Era uma vez" da história aconteceu apenas porque a encontrei abandonada, esquecida, deslavada... e incapaz de voltar a cumprir a sua função(achei ao primeiro olhar). Comecei a rabiscar - num papel, tal como ela, esquecido, junto a várias coisas que se vão acumulando dentro de um qualquer carro, adiando teimosamente a hora do lixo - afinal ela acabou por ceder ao fim de alguma persistência com um abstratismo em intervalos de azul.
Os rabiscos tornaram-se letras a procurar espaço no que restava da folha.
Um cão luta discretamente e em silêncio contra uma tampa de caixote. Dois adolescentes abandonam-se de mãos dadas nos lábios um do outro. Ciclistas em final de passeio deixam para trás o cansaço voluntário. As gaivotas já poisaram. A esplanada fica cada vez mais cheia de cadeiras vazias. As luzes acendem-se, nos candeeiros de rua e nos carros em passeio de fim de semana. Lá em baixo na praia alguns resistentes ainda jogam à bola. Um puto faz uma birra ao entrar para a carrinha do lado. Uma ambulância quebrou-me o silêncio da caneta e também assustou o Sol. Um último surfista arruma as ondas na mala do carro. As letras ficam a cada linha mais pequenas até quase ser preciso lupa para ler...fiquei sem espaço.
O rádio tocava Cabrel e como na canção, este foi também outro "sábado na terra".

Final de estação

O comboio começou lentamente a carrilar. Sem apito nem vapor...mas a imaginação pode sempre, quase tudo.
Sol e céu azul trouxeram-me à memória esta música de verão, enquanto a paisagem mudava a cada compasso. Sabores reggae e soft beat deram à curta viagem um gosto réstio de final de estação.
Thanks Mrs. Mraz